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28.8.23

Memórias (XXXIX)



28 de agosto

Osasco, 28 de agosto de 2023.


Após muita reflexão, e muito sofrimento, decidi reconhecer que não me queriam mais na maior corrente política da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Articulação Sindical. Fui militante político por décadas e deixei minhas contribuições na história da categoria bancária, da Central e dessa corrente política. Entendi que um militante de esquerda precisa ter um mínimo de amor-próprio até para seguir nas lutas. Luto...

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DIA DOS BANCÁRIOS E ANIVERSÁRIO DA CUT

O dia 28 de agosto é uma data histórica para nós por diversos motivos, dois deles muito ligados a nós que dedicamos a nossa vida à construção dos direitos da classe trabalhadora e de um país mais justo e solidário. A data é referência para os bancários por marcar uma de nossas maiores greves da história e a data é efeméride da criação da Central Única dos Trabalhadores, que hoje completa 40 anos de lutas e conquistas.

A CUT foi finalmente fundada em 1983, após longas discussões entre as forças políticas que se organizavam no final dos anos setenta e início dos anos oitenta. Surgiam no período novas forças sindicais que seriam denominadas de Novo Sindicalismo durante e após as Conferências da Classe Trabalhadora, as Conclat. Tínhamos nos metalúrgicos a figura de Lula e tínhamos grandes lideranças de outras categorias profissionais. Como é um texto de memórias não vou ficar citando nomes porque faltariam nomes importantes.

Entre 1985 e 1987 surge a maior tendência política dentro da CUT, a Articulação Sindical. O contexto no qual as forças políticas construíam a Central permitiu e estimulou a convivência fraterna de diversos grupos dentro da CUT. O respeito às diversas formas de pensamento também vinha sendo exercitado dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), criado em 1980. As "tendências" eram uma solução para congregar ideias e visões diferentes antes de se decidir no consenso ou no voto as posições finais do Partido ou da Central.

MILITÂNCIA BANCÁRIA

Entrei na categoria bancária 5 anos após a criação da CUT, comecei a trabalhar no Unibanco em 1988, no Centro Administrativo da Raposo Tavares (CAU). Lá, conheci as lideranças do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e além de me sindicalizar e fortalecer o nosso sindicato e as lutas, fui convencido pelo pessoal a organizar internamente os colegas para uma greve que ocorreria no período. Deu certo, cheguei de madrugada naqueles dias e paramos a agência bancária dentro do CAU. Pelo que me lembro, a greve no CAU do Unibanco foi boa naquele ano. Depois de um tempo, fui transferido de departamento, sofri um pouco de assédio e acabei sendo demitido em maio de 1990. 

Cito o funcionário do Sindicato e companheiro Marcos Martins como dirigente político que me inspirou para sempre a ser um representante de classe que independente do mandato eletivo que estivesse exercendo jamais deixaria de estar nas bases sociais, ao lado dos trabalhadores e daqueles que representa. Marcos Martins exerceu todos os seus mandatos sempre presente nas bases. Modéstia à parte, fiz isso, exerci 16 anos de mandatos sempre atento a ouvir as bases, fossem mandatos locais ou nacionais. Fiz o esforço ético de estar sempre nas bases que representava.

Voltei à categoria bancária pouco tempo depois da demissão do Unibanco em 1990. Em 1991 prestei o concurso público do Banco do Brasil, comecei a fazer faculdade de Ciências Contábeis, virei estagiário do BB na agência Ceagesp já no início do ano de 1992 e apesar do concurso ter sido cancelado por fraude, e eu havia passado, fiz de novo e passei de novo. Tomei posse de meu cargo de escriturário na agência Rua Clélia em setembro de 1992. Já no início de 1993, me sindicalizei de novo ao Sindicato e até hoje pago em dia minhas mensalidades ao nosso Sindicato que completou 100 anos de existência.

ARTICULAÇÃO SINDICAL

Minha primeira década de bancário do Banco do Brasil foi a década de grandes ataques aos direitos sociais no banco e risco de privatização do maior banco público do país. As correntes políticas na categoria bancária faziam o que era possível para organizar os trabalhadores e a sociedade para resistir aos ataques de Fernando Collor e FHC. Fui aprendendo política no local de trabalho. Nenhuma escola ensina política como a luta organizada no mundo do trabalho. Afirmo isso como quem fez duas graduações e quase concluiu uma terceira. E também fiz muito movimento estudantil como, por exemplo, a famosa greve de mais de 100 dias da FFLCH/USP em 2002.

O Sindicato organizava os locais de trabalho (OLT) criando uma rede de militância por regiões e por concentrações de bancos. Nós que enfrentávamos os gestores e os assediadores éramos disputados pelas forças políticas, toda hora tinha alguém nos convidando para reuniões organizativas. Fui a diversas reuniões políticas que depois entendi que eram de partidos e grupos sindicais diversos: PT, PSTU, PCdoB, PCO, Convergência Socialista, FES, Articulação Sindical, CSD etc. A CUT era composta por uma enormidade de tendências internas, se não me engano eram umas 17 forças políticas dentro da CUT nos anos oitenta.

Enfim, como eu não me sentia à vontade em reuniões nas quais a militância mais falava mal da direção do Sindicato e do Sindicato do que dos patrões e governo, acabei ficando nas reuniões dos representantes do Sindicato e quando entendi, eu era um militante da Articulação Sindical da CUT no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região. Foi assim a minha primeira década de funcionário do BB. 

Minha referência de trabalho sindical e representação de base, de pessoa que ouvia e debatia com a militância, foi a companheira Deise Lessa, do BB. Como eu era um militante de opinião "forte", a Deise sofreu comigo (risos). Me lembro dos debates sobre as reformas dos estatutos da Cassi (1996) e da Previ (1997/98). Foram necessárias diversas reuniões políticas com a Deise e outros companheiros para que eu compreendesse bem as questões e passasse a defender as propostas da corrente política do Sindicato.

Em 2000 eu quase entrei na direção do Sindicato, mas não deu certo. Em abril de 2002, acabei compondo a chapa cutista vencedora das eleições do Sindicato e virei dirigente sindical. Fui liberado do local de trabalho para me dedicar exclusivamente ao mandato sindical em 5 de agosto de 2002. Após quase 10 anos de atendimento ao público no caixa do BB virei dirigente sindical e, infelizmente, por uma estratégia da direção do banco, desde o 1º dia tive uma redução salarial de cerca de 1/3 porque passei a receber salário de escriturário e não de caixa executivo...

Durante 16 anos de mandatos eletivos, nunca deixaria de visitar com regularidade o meu local de trabalho para ouvir os colegas - a agência Vila Iara em Osasco - e fazer os debates políticos em questão. Vi colegas chegarem e partirem para outras dependências, vi diversos gestores passarem pela agência e nunca deixei de visitar o que considerava o meu local de trabalho. Até hoje, tenho contato com amigos da dependência, alguns na ativa, outros aposentados.

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DIRIGENTE POLÍTICO DA CATEGORIA BANCÁRIA

A categoria bancária e a classe trabalhadora brasileira viveram grandes momentos em sua história de lutas e conquistas nos anos dois mil. Fico feliz por ter feito parte dessas lutas.

Como dirigente sindical bancário a partir do ano de 2002 eu fui me desenvolvendo e me politizando a partir das lutas que idealizamos e realizamos durante os mandatos presidenciais de governos progressistas e mais favoráveis à classe trabalhadora e aos movimentos populares.

A campanha para a eleição de Lula em 2002 já foi uma tremenda escola política. Depois vieram as campanhas salariais da categoria e pertencer a um dos maiores sindicatos do país me fez entender que eu não poderia perder tempo em relação à formação e passei a estudar a nossa história e entender quem eu era desde o início do mandato.

Muita coisa já escrevi nessas memórias que postei aqui no blog, não sei se essa será a última postagem, afinal de contas já são 39 capítulos de lembranças e histórias dessa trajetória de militância política na categoria bancária sendo um dirigente da Articulação Sindical da CUT.

Em linhas gerais, e olhando rapidamente para trás, sei que tive uma participação importante em várias conquistas desse período porque ser dirigente de um sindicato grande faz diferença nessas questões. Algumas estratégias políticas de campanha salarial foram gestadas em nosso sindicato e outros dos maiores do país. 

CAMPANHA UNIFICADA E AUMENTO REAL

Posso citar como exemplos de estratégias exitosas a campanha unificada entre bancos públicos e privados na categoria bancária e a estratégia de reivindicar aumentos reais de salários e não focar só na reivindicação de "perdas". Fui um agente importante desses debates entre a companheirada dos bancos públicos do país. Nossa corrente Articulação Sindical praticamente defendeu sozinha essas estratégias no início e com muita argumentação fomos convencendo os demais setores do movimento.

Estratégias de organização do movimento também foram foco de grandes debates durante todos os anos de governos do Partido dos Trabalhadores e sem dúvida deixei a minha contribuição ao debate, sempre falando como uma liderança da Articulação Sindical. Essas decisões se dão nos congressos e sempre fiz defesas das teses da corrente em debates acalorados e muito ricos.

Guardarei sempre na memória a minha participação em dezenas de assembleias lotadas na Quadra dos Bancários e outros espaços durante as campanhas de renovação de direitos nas datas-bases da categoria. Fui um dos inscritos em falas finais de assembleias do BB para aceitar ou rejeitar propostas de acordo coletivo entre 2003 e 2013 na base de São Paulo, Osasco e região.

Além de ter sido membro da Executiva do Sindicato, fui representante de São Paulo na Comissão de Empresa já nos primeiros anos de mandato. Depois acabei sendo coordenador nacional da CEBB (ou COE BB). A tabela da Carreira de Mérito (2010) tem participação minha na idealização alternativa a lutar por "perdas" no PCS antigo do BB (anterior a 1996). Como havíamos perdido os interstícios de 12 e 16%, pensei formas alternativas de premiar antiguidade no banco. Deu certo à época.

MANDATOS NA CONTRAF-CUT

Fui secretário de imprensa e depois de formação de nossa Confederação desde o seu primeiro congresso em 2006. Essas oportunidades me permitiram crescer muito como pessoa e como dirigente porque mergulhei nos estudos de comunicação e imprensa e depois na formação política e histórica da classe trabalhadora. 

Fomos responsáveis juntamente com a direção e os funcionários por dar visibilidade à nova marca "Contraf-CUT" em substituição à antiga "CNB-CUT". E com parcerias com o Dieese, federações e sindicatos fizemos memoráveis cursos de formação entre 2009 e 2015. Foram centenas de participantes de todas as regiões do país.

MANDATO NA CAIXA DE ASSISTÊNCIA DO BB (CASSI)

Minha última contribuição em mandatos eletivos foi na diretoria de saúde da Cassi. Tínhamos alguns objetivos ao iniciar o mandato e durante a gestão fomos estudando e compreendendo melhor o que significava a Caixa de Assistência para os associados e participantes e para o segmento de autogestão em saúde dos trabalhadores.

Além das questões afetas à área que fui responsável, a do modelo de saúde, a Cassi tinha uma questão geral a resolver com o banco patrocinador e os associados: o custeio do Plano de Associados.

As áreas da Cassi sob minha responsabilidade direta foram prioridade absoluta: o modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e a estrutura própria de saúde - Unidades e CliniCassi - foram fortalecidos, bem como a ampliação da participação social e compreensão do que era a Cassi.

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A HISTÓRIA DA LUTA DE CLASSES É COLETIVA

Foram mais de três décadas trabalhando como bancário, servindo às brasileiras e brasileiros que precisam de serviços bancários e do sistema financeiro, e representando os colegas em espaços de construção coletiva de direitos. 

A história da luta de classes é e provavelmente sempre será coletiva, construída a diversas mãos. Que bom que seja assim. Sozinhos não somos nada.

Após uma vida dedicada às lutas da categoria bancária, acabei tendo um final de vida laboral de forma isolada e sem despedidas em 2019. Já vivíamos anos difíceis no Brasil, com um golpe de Estado em andamento, tempos de Temer e Bolsonaro.

Diferente daqueles finais felizes, com festas de despedidas e plaquinhas de agradecimento, meu último ano de trabalho no BB foi tenso, já que eu havia sido dirigente dos trabalhadores e estava sem mandato algum. Felizmente eu tinha muitos dias de abonos e licenças acumulados e me afastei até me desligar e exercer meu direito de ser beneficiário de nossa previdência complementar.

Como militante da classe trabalhadora, mesmo retirado do dia a dia da vida bancária, seguirei estudando e compartilhando experiências, memórias e conhecimento através de meus textos e da participação eventual nos movimentos sociais.

Parabéns às bancárias e bancários e vida longa à Central Única dos Trabalhadores! 

William Mendes


Post Scriptum: fiz dezenas de artigos ou capítulos de memórias aqui no blog, estão todos disponíveis, o anterior a este pode ser lido aqui.


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