Osasco, 8 de janeiro de 2023. Domingo. (15h12)
As imagens históricas da posse do presidente Lula no dia 1º de janeiro me trouxeram lembranças de muita coisa em minha vida. Me lembrei de minha entrada na política como militante sindical bancário, me lembrei do período no qual tive mandatos eletivos e me lembrei do Brasil que havíamos construído nos dois primeiros decênios do século.
Aquele mar de gente em Brasília me trouxe a lembrança da posse de Lula no dia 1º de janeiro de 2003, duas décadas antes. Foi lindo demais aquele dia e foi inesquecível. Me lembrei da posse de Dilma Rousseff no dia 1º de janeiro de 2011. Que dia simbólico e inesquecível também: a primeira presidenta do país. O Brasil tinha se tornado o país com o povo mais feliz do mundo durante aqueles anos de governos do Partido dos Trabalhadores. As oportunidades eram para todos e todas.
---
REPRESENTAÇÃO POLÍTICA - ANOS DE MUITO TRABALHO
O ano de 2002 foi o ano no qual minha vida mudou radicalmente, virei dirigente eleito da categoria bancária. Antes, eu já era próximo da direção do Sindicato porque era o contato da entidade nos locais de trabalho, tanto no Banco do Brasil, onde já trabalhava há dez anos, quanto no Unibanco, onde trabalhei por dois anos e conhecia as lideranças do Sindicato da Regional Osasco.
Anos depois, o ano de 2018 viria a mudar radicalmente minha vida de novo. Deixei de ser dirigente da categoria em junho e minha saída foi da pior maneira possível, sem festas, sem despedidas e perseguido pela direção da empresa num processo de lawfare que durou até que eu me desligasse do banco no ano seguinte. Tive que manter um silêncio de morte, um cancelamento forçado.
Ao ver jornalistas e cientistas políticos avaliarem que o presidente Lula trabalhou nos primeiros dias de seu 3º mandato em 2023 mais do que o inominável miliciano havia trabalhado em meses de mandato na presidência do país, também me lembrei de alguns momentos de minha vida nos mandatos eletivos que exerci no movimento dos trabalhadores entre 2002 e 2018. Trabalhei pra caramba! Trabalhei como o presidente Lula sempre trabalhou! Não à toa, Lula sempre foi uma referência para mim.
Durante os mandatos eletivos de secretário de formação da Confederação (2009-15) e coordenação da Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil (2012-14) - duas funções complexas -, eu trabalhava cerca de 90 horas por semana, de duas a três jornadas de trabalho da categoria que eu representava. O que nos move nas funções políticas é o compromisso ético que assumimos com as pessoas que nos confiaram seus votos. É raro nos preocuparmos com a nossa saúde e com a vida pessoal e familiar. Somos máquinas atuando 24 horas por dia nas causas às quais nos engajamos.
Em 2014, quando achava que seria impossível trabalhar mais do que eu trabalhava como coordenador das negociações nacionais do Banco do Brasil e como secretário de formação da categoria fazendo cursos Brasil afora - com apoio da equipe do Dieese -, algumas lideranças do movimento sindical me convidaram para outro desafio de representação: ser diretor de uma autogestão em saúde disponibilizando meu nome para concorrer às eleições da Cassi, Caixa de Assistência dos Funcionários do BB.
É necessário registrar que nunca pleiteei cargo ou função alguma no movimento dos trabalhadores. Nunca! Como diria minha mãe, nunca fui oferecido, nunca fui de me convidar para isso ou aquilo. Não é meu perfil. E respeito quem é candidato(a) a tudo. Eu não sou assim. Por outro lado, sempre fui muito solícito e tive dificuldades para negar quando me escolhiam para ocupar posições de liderança e gestão, às vezes até sofria com a missão, mas cumpria com empenho a tarefa dada pelo movimento. Foi assim que me vi representante do movimento estudantil, membro do Conselho de Usuários da Cassi SP, síndico do meu condomínio... e na vida sindical fui diretor do Sindicato, da Comissão de Empresa, da Confederação... e da Cassi.
---
CASSI
Ao ler registros do período que vivi na direção da autogestão em saúde, vejo que ainda foi possível trabalhar mais do que havia trabalhado na década anterior para o movimento sindical e para a categoria bancária. Uma loucura!
Ao compreender o desafio que pesava sobre meus ombros naquele momento, vi que teria que desenvolver uma estratégia de gestão que conciliasse estudar como nunca estudei na vida, atuar na base mais do que já atuava para educar o público do sistema- uma base nacional -, e ser o mais criativo possível na solução de problemas diários de uma instituição fadada a não existir por ser antagônica ao modus operandi do setor de saúde no qual atua, o mercado capitalista que visa lucro com a doença das pessoas, ou seja, quanto pior as pessoas estiverem, melhor para os donos do capital da "indústria da saúde".
Muito trabalho. Assim foi feito por mim, por nós da equipe de trabalho. Tanto estudei centenas e centenas de súmulas, atas, documentos técnicos da área de saúde e gestão de saúde, comportamento do mercado etc que em pouco tempo discutia de igual para igual com qualquer pessoa daquela área de conhecimento e dei dezenas de palestras de gestão de saúde. Os funcionários da autogestão me diziam que eu não os envergonhava ao falar de gestão em saúde, ao falar da Caixa de Assistência e o que ela perseguia enquanto modelo e objetivos históricos.
Ao mesmo tempo em que estudei a autogestão, mantive a rotina que tinha quando era sindicalista, rotina de estar ao lado da base social que representava, os trabalhadores da ativa e aposentados do Banco do Brasil e suas entidades representativas. Por 4 anos estive nas bases sociais informando e formando a opinião dos associados e participantes sobre a Cassi. Foi assim que tiramos da pauta a proposta patronal e liberal de quebra da solidariedade no modelo de custeio.
Quando o patrão e patrocinador percebeu que a base social estava mais coesa na defesa dos modelos assistencial e de custeio de nossa entidade e menos exposta às manipulações ideológicas e liberais, passei a sofrer boicotes internos que me impediam de avançar o modelo de saúde e o contato com a base. Segui fazendo o que tinha que ser feito, usando meus próprios recursos ou das entidades sindicais que nos ajudavam.
De maneira muito combativa, transparente e dedicada aos princípios aos quais nos baseamos chegamos ao final do mandato de diretor de saúde em 2018 mantendo todos os direitos dos associados da Cassi e com o modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e estruturas próprias de atendimento (CliniCassi) consolidados e reconhecidos como eficazes por toda a comunidade do sistema Cassi: associados, participantes, entidades representativas e patrocinador.
Como incomodei demais os adversários e o mundo jurídico e político já vinham atuando com novas ferramentas de guerra ideológica contra pessoas físicas e jurídicas - lawfare -, processos baseados em mentiras (fake news), terminei o mandato sofrendo um assédio moral violentíssimo e que depois seria arquivado por falta de provas. O objetivo desses processos é destruir as pessoas e impedir que elas possam seguir na vida política, nem que seja por um período determinado.
---
3º GOVERNO LULA
A eleição do presidente Lula foi um acontecimento que ficará registrado para sempre na história do Brasil e do mundo. Vencer a máquina corrupta e fascista do bolsonarismo nas eleições foi algo épico, inacreditável! A máfia que estava instalada na estrutura do Estado brasileiro não contava com a derrota por causa da quantidade incalculável de fraudes incluídas no processo eleitoral por parte deles, bolsonaristas.
Vencemos! Para surpresa dos adversários, vencemos! Os 50,9% do resultado final das eleições equivale a algo como 60 a 70% de votos válidos numa eleição limpa, num processo normal de um país com democracia plena em vigor. Os 49,1% deles é algo inflado em mais de 15%. Vencemos tudo isso que montaram para se manterem no poder político!
Governar os 4 anos do mandato será uma nova etapa da guerra. E será muito difícil para todo mundo, para o nosso lado da frente ampla e para o lado que apoia o regime que havia tomado o Estado nacional por fraudes seguidas a começar pela operação mequetrefe lesa-pátria Lava Jato, pelo golpe de Estado em 2016, pela trágica prisão de Lula e que culminou com a eleição daquele ser inominável em 2018 e a pior bancada do Congresso em sua história.
Digo que o período será difícil também pra eles - apoiadores do bolsonarismo - porque há uma massa de gente comum capturada, manipulada e doente, precisando de ajuda médica para se libertar da máquina fascista de manipulação.
Para nós do campo da esquerda, progressista e que defende a democracia com tudo que ela significa como, por exemplo, o respeito aos diferentes, será um período muito difícil! Muito! Pessoas que conhecem a política como eu conheço, sendo alguém que conviveu por mais de duas décadas ao lado daqueles e daquelas que chegaram ao poder, imagino o quanto será complexo tentar exercer o direito básico à opinião própria e a divergência das ideias no campo da esquerda... será difícil, ou talvez impossível!
Pessoas como eu e algumas outras figuras do movimento sindical e partidário dificilmente teriam espaço na composição de governo no atual cenário e conjuntura nacional que citei acima. Mesmo tendo uma história, tendo conhecimento em áreas do movimento como poucos militantes.
Imagino que o governo será composto por duas metades: a da frente ampla, onde Lula não veta nem pessoas com históricos complicados, e a do lado do governo, com algumas pessoas que definem quem vai servir o governo em cargos com a promessa de obediência absoluta ao que mandarem, absoluta.
Enfim, de minha parte, desejo muito que o governo dê certo, que sobreviva aos 4 anos, que entregue algumas das promessas centrais de campanha, e que evite erros básicos dos mandatos anteriores, os dois de Lula e o único de Dilma (porque ela não pode governar após a reeleição).
Militantes que têm um pouco de opinião própria e que não se adaptam ao fazer política obedecendo pessoas cegamente estarão aqui nas bases torcendo pelo governo, criticando e cobrando também (como disse Lula) e, consequentemente, sofrendo pelo governo e talvez até dando a vida pelo governo na hora da guerra que pode acontecer a qualquer momento.
William Mendes
Post Scriptum (às 20h16):
Comentário em face da destruição dos prédios dos três poderes da república na tarde de hoje.
O Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o STF foram invadidos e destruídos hoje pelos terroristas bolsonaristas, conduzidos até lá pelas forças policiais e de segurança de Brasília. Mais uma vez, atos golpistas e terroristas previstos aconteceram e nada foi feito. Tudo anunciado e programado pelas redes sociais. Qualquer investigador em início de carreira saberia que a merda iria acontecer e como seria, quem financia, quem vai participar etc.
Dias atrás, conversando com um contato que tem informações sobre a transição e a distribuição de cargos e nomeações do novo governo, fiquei indignado ao saber que algumas lideranças históricas nossas, com competência comprovada na gestão de instituições estatais e coligadas, foram vetadas por parte das pessoas que estão com o poder da caneta no governo. Eu já imaginava que isso fosse acontecer. Isso é mais antigo que andar pra frente.
A destruição de hoje e a forma como a coisa se deu deixa claro para quem entende de política: o NOSSO governo é conciliador, é da natureza dos governos Lula ser assim, e por causa disso temos um "ministro da defesa" conivente com as milícias nas portas dos quartéis (sem veto), por causa disso temos uma "ministra" envolvida com as milícias cariocas (sem veto), por causa disso que só tem trânsito na transição quem fala amém a tudo dentro de nosso campo da esquerda.
Sigo na torcida por nosso governo, mas uma coisa a história já nos ensinou: não se concilia com o nazifascismo, com o terrorismo, com o autoritarismo. Enquanto o nosso lado só nomeia gente que fala amém pra tudo, o outro lado arregaça tudo na base da violência. Não dá para dar as costas aos fascistas, eles matam na "crocodilagem", por trás. Fascistas são covardes, mas são maus.
Que saco! Estou tão indignado quanto qualquer pessoa decente está ao ver tudo o que aconteceu hoje à tarde no Brasil.
Para ler o texto anterior de Memórias (XXXIV), clique aqui. O texto seguinte pode ser lido aqui.