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10.8.16

Minha solidariedade à médica de família Júlia Rocha


Apresentação da matéria pelo blog

Olá companheir@s, amig@s e colegas do Banco do Brasil,

Reproduzo abaixo matéria da excelente jornalista Conceição Lemes, do site "Vi o Mundo", um portal com reportagens e matérias investigativas de muita qualidade.

Júlia Rocha, preceptora e médica de família da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, ao postar em seu perfil na rede social Facebook um texto dizendo que o mais importante é ouvir os pacientes da forma como eles falam, foi agredida em rede social com preconceito, racismo e misoginia. Onde vamos parar com esse ódio todo plantado em nosso país pelos grupos que construíram o Golpe de Estado e o fim da democracia brasileira?

Peço que leiam a entrevista dela ao final da matéria falando do papel do Médico de Família. É muito legal!

A Cassi é uma entidade de saúde de autogestão dos trabalhadores do Banco do Brasil e nosso modelo assistencial é baseado na Estratégia Saúde da Família (ESF). Como gestor da entidade e responsável por essa área, a saúde, passei a conviver com os maravilhosos profissionais médicos de família. Nós temos 142 equipes de família em nossa Caixa de Assistência atuando em todos os Estados do país e acreditamos muito no trabalho de Atenção Integral à Saúde feito pelos médicos de família.


E viva todo tipo de cabelo!!!
Deixo minha solidariedade à médica de família Júlia Rocha e meu respeito e gratidão a todas e todos os cidadãos que escolhem essa área médica para atuarem e dedicarem suas vidas.

Chega de preconceitos, intolerância e ódio em nosso país e no seio de nosso povo. Isso faz mal pra saúde e faz mal para nossa vida e para a sociedade.

Aos que tiverem interesse, a matéria explica o que aconteceu com detalhes.

Abraços,

William Mendes
Diretor de Saúde e Rede de Atendimento da Cassi

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(reprodução de matéria do site Vi o Mundo)


Médica defende o direito de o paciente falar do “jeitinho” que sabe, e vira alvo de racismo e misoginia nas redes sociais: ”Foi como levar chute no estômago”

08 de agosto de 2016 às 19h04




Guilherme Capel, Júlia Rocha e Milton Pires.

Por: Conceição Lemes

Há pouco mais de uma semana, dois posts publicados por médicos numa rede social viralizaram. Ambos envolviam a relação médico-paciente, mas com olhares e posturas diametralmente opostas.

O primeiro foi na quarta-feira, 27 de julho. Após atender o mecânico José Mauro de Oliveira Lima, 42 anos, no Hospital Santa Rosa de Lima, em Serra Negra (SP), o clínico-geral Guilherme Capel Pasqua foi para a internet e debochou.

Com o título “Uma imagem fala mais que mil palavras”, publicou uma foto sua, com o receituário na mão e a inscrição: “Não existe peleumonia e nem raôxis”.

Duas colegas do hospital — a enfermeira Renata Rodrigues e a recepcionista Adrielli Conti – aderiram à chacota.



Na família do mecânico e nas redes sociais, muita indignação, especialmente com o médico.

Afinal, ao se formar, ele fez o “Juramento de Hipócrates”, comprometendo-se, entre outras coisas, a usar os seus conhecimentos “para o bem do doente, nunca para causar dano ou mal”.

Em entrevista ao G1, publicada na sexta-feira 29, o enteado do senhor José Mauro, o eletricista Claudemir Thomaz Maciel da Silva, que o acompanhava na consulta, revelou o que aconteceu:

Quando meu padrasto falou pneumonia e raios X de forma errada, ele [o médico] deu risada. Na hora, não desconfiamos que ele iria debochar depois na internet. O que ele fez foi absurdo. O procurei e escrevi para ele na rede social que, independente dele ser doutor, não existe faculdade para formar caráter. Assim que ele viu minha postagem, apagou a foto. Ele não quis conversar com a gente”, diz Claudemir.

Meu padrasto não sabe falar direito porque não teve estudo (…). Ele trabalhava como cozinheiro aqui em Serra Negra e depois se tornou mecânico. Lembro que ele estudava, mas precisou abandonar as aulas para cuidar de mim. Tive tuberculose aos dois anos e, nessa época, ou ele estudava ou pagava meus remédios”, lembra.

Na quinta-feira, dia seguinte à postagem, o médico, a recepcionista e a enfermeira foram demitidos pelo hospital, que é administrado pela Santa Casa de Serra Negra.


EXISTE PELOUMONIA; EU MESMA JÁ VI VÁRIAS

O segundo post que viralizou foi o da médica de família e cantora-compositora Júlia Rocha.

É preceptora do Programa de Residência Médica de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

Toda sexta à noite, vai para Belo Horizonte (MG), onde mora. E, no domingo à noite, volta para o Rio, onde trabalha.

Na sexta retrasada, 29 de julho, ao chegar a BH, várias pessoas haviam lhe mandado o link de uma mesma reportagem: a do clínico-geral de Serra Negra, que caçoou do paciente com “peleumonia”.

Ela leu e resolveu passar o seu olhar e dos seus colegas como médicos de família. Nada mais.



No sábado, 30, ao acordar, a doutora Júlia percebeu que a postagem saíra do seu círculo de amigos e seguidores. Tinha tomado proporções gigantescas.

No domingo à noite, quando se preparava para voltar ao Rio, recebeu de uma amiga os prints de postagem do médico Milton Pires (logo abaixo), de Porto Alegre (RS), bem como a de alguns dos seus seguidores.

Milton revela-se racista e reacionário.

Aposta também na desinformação da sua malta.

Joga desonestamente nas costas da doutora Júlia — que escracha com foto imensa — a responsabilidade pela demissão do “guri da Santa Casa”:



Só que os fatos o desmentem cabalmente.

O “guri” debochou do paciente com “peleumonia” na quarta, na quinta perdeu o emprego.

Júlia só publicou a sua postagem na sexta, às 23h29. O print da mensagem comprova.

Igualmente estarrecedores os comentários dos seguidores do médico gaúcho.



Além do conservadorismo, da agressão e ódio desmedidos, eles revelam machismo, misoginia, inclusive por parte das mulheres.

Na hora em que vi a postagem do médico gaúcho e os comentários dos seus seguidores, fiquei em choque”, afirma Júlia Rocha, em entrevista exclusiva ao Viomundo. “Foi como levar um chute no estômago. Foi muito triste.

Ainda no domingo passado à noite, ela postou esta segunda mensagem:



Como todo racista que se preza, Milton Pires não gostou de ser chamado de racista.

Baixou ainda mais o nível em nova postagem (abaixo). Mandou a médica à “puta que pariu”, mostrando que também é mal-educado.

O post, todo em letras maiúsculas, é como se ele estivesse gritando a seguidores surdos. E, de novo, escracha, em tamanho grande, a foto da doutora Júlia.



Na segunda-feira passada, 1° de julho, provavelmente a pedido de Milton Pires, o Facebook eliminou a segunda postagem de Júlia. Já tinha mais de 70 mil curtidas e milhares de compartilhamentos.

Covardemente, Milton também apagou rapidinho a sua página no Facebook.

Júlia tem recebido a solidariedade individual e coletiva de colegas.

A Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares divulgou nota (na íntegra, ao final) de solidariedade: “Repudiamos a prática que tende a utilizar o discurso de ódio para combater divergências políticas e ideológicas, com conteúdo racista para isso”.

Segue a íntegra da entrevista que esta repórter fez por telefone com a doutora Júlia.

Viomundo – Como soube do caso do médico da “peleumonia”?

Júlia Rocha – Na sexta-feira [29 de julho], à noite, quando cheguei de viagem em Belo Horizonte. Algumas pessoas me mandaram o link da reportagem. Li e, antes de dormir, decidi me manifestar. Fiz sem nenhuma pretensão. Nunca imaginei que fosse ter tanta repercussão, principalmente essa reação negativa, tão assustadora, tão virulenta.

Viomundo — O que a levou a fazer a sua primeira postagem?

Júlia Rocha – A minha ideia era apenas passar outro olhar sobre a questão. O meu olhar e os dos meus colegas como médicos de família. Nada mais.

Não tive a intenção de manchar a imagem de ninguém, de forma alguma. Não me cabe julgá-lo. Talvez tenha sido um ato de imaturidade, porque ele é muito novo. Acho que ele vai aprender com esse episódio e provavelmente mudar a sua prática a partir de agora.

Viomundo – O que significa esse outro olhar?

Júlia Rocha – É importante que a gente realmente esteja inteira dentro de uma consulta médica para poder ouvir o que o paciente tem a dizer da forma que ele se apresenta, como ele é.

No nosso meio, é recorrente a ridicularização da fala do excluído, do pobre.

A minha ideia foi justamente mostrar que é legítimo, sim, que o paciente fale dessa forma.

Nós, médicos, somos os técnicos dessa relação médico-paciente. Nós somos formados para isso, para entender. O paciente não tem obrigação de saber o que a gente sabe. E se me foi dada a chance de conhecer sobre as doenças e ler os livros, o que me custa entender ou tentar entender aquilo que o paciente me traz.

Viomundo — Paradoxalmente, é muito comum o médico falar para o umbigo, usando jargão que o paciente não entende. Outro dia vivi isso, levei a minha mãe de 93 anos à ortopedista. A médica disse: “a senhora flete a perna”. Mesmo percebendo que a minha mãe não estava entendendo, ela insistiu no “flete”. Na terceira, eu interferi: “mãe, dobra a perna!

Júlia Rocha – Isso é comum. No Brasil, a profissão de médico ainda é muito elitizada. Em consequência, usa uma linguagem muitas vezes inacessível para muitos pacientes. Então, a nossa obrigação é se fazer entender de verdade pelo paciente.

Até porque isso pode parecer uma brincadeira, às vezes deboche. Mas pode se tornar algo sério, a partir do momento em que você coloca a vida do paciente em risco por não entendê-lo ou ele não te entender.

Viomundo – O que a senhora sentiu quando viu os prints da postagem do médico gaúcho e de alguns seguidores dele?

Júlia Rocha – A sensação foi de ter levado um chute no estômago. Só quem passa por situação semelhante sabe o quanto é triste. Além de ter usado indevidamente a minha imagem, ele proferiu palavras racistas ali e permitiu que seus seguidores fizessem o mesmo. Eu vi na página dele vários comentários racistas, como “esse cabelo deve ter um mico leão lá dentro”, “para negar que é preta, ela descolore o cabelo”…

Viomundo – A informação que tive inicialmente é que a postagem do médico gaúcho teria sido numa comunidade fechada chamada Movimento Pela Dignidade Médica…

Júlia Rocha – Realmente, eu ouvi dizer que alguns dos que comentaram ali fariam parte dessa comunidade de médicos reacionários, de extrema-direita. Mas não sei. Agora, esse post dele foi publicado no perfil pessoal, que estava público. Eu não precisei entrar em nenhuma comunidade. Houve uma alegação de que eu teria exposto a imagem dele. Mas não. Na verdade, o post estava ali, aberto, para quem quisesse ver.

Viomundo – O Facebook eliminou a sua segunda postagem provavelmente a pedido dele. Sabe por quê?

Júlia Rocha – Ele tem poucos seguidores. Eu tenho mais de 60 mil. Então, na hora que postei no meu Facebook, viralizou. Além de ser cantora-compositora, eu sempre repercuto notícias relacionadas à medicina. Eu posto também alguns casos dos meus atendimentos. Não os relacionados à questão médica, mas à questão humanística. A consulta médica é um momento de encontro de seres humanos. Então, na hora em que eu postei os prints das telas do post dele, elas viralizaram.

Viomundo – A senhora pretende processá-lo?

Júlia Rocha – Há advogados acompanhando o caso. Providências legais já estão sendo tomadas. Estou muito preocupada comigo e com a minha família.



Em tempo: Milton Pires, cujo nome completo é Milton Simon Pires, é reincidente no ataque vil a mulheres.

Em outubro de 2014, ele ironizou a queda de pressão da presidenta Dilma (PT) após um debate eleitoral e a chamou de “filha da puta”.

Concursado no Grupo Hospitalar Conceição (GHC), em Porto Alegre.

Em setembro de 2014, uma colega de trabalho o denunciou por agressão verbal e física, e a direção do Hospital Geral da Conceição (GHC), de Porto Alegre, onde ele é concursado, optou por afastá-lo de suas funções na UTI.

Nota de Solidariedade da Rede Nacional de Médicos e Médicas Populares à médica de família e comunidade Julia Rocha:

O médico, o trabalhador médico, deve ir então ao centro de seu novo trabalho, que é o homem dentro da massa, o homem dentro da coletividade. (…) Veremos como teremos que ser um pouco pedagogos, às vezes muito pedagogos, como teremos que ser políticos também, como o primeiro que temos que fazer não é ir brindar com a nossa sabedoria, mas sim demonstrar que vamos aprender, com o povo, que vamos realizar essa grande e bela experiência comum” Ernesto Che Guevara

No dia 27 de julho a notícia de que um médico plantonista havia divulgado uma foto com os dizeres “não existe peleumonia e nem raoxis”, após o atendimento de um paciente em um hospital, espalhou rapidamente pelas redes sociais.

Em contrapartida a postura dele, médicas e médicos como Júlia Rocha se pronunciaram a favor de uma medicina centrada na pessoa, ferramenta que reconhece e respeita o que o indivíduo sente e sua forma de expressar o que é o adoecer.

Em meio ao crescente discurso de ódio na sociedade brasileira, Júlia Rocha foi atacada por médicos racistas e reacionários em seu perfil do Facebook, com mensagem de conteúdo racista, desrespeitoso quanto à opção ideológica da médica e quanto a especialidade de medicina de família e comunidade. Nos comentários da postagem, fica explícito o caráter do ataque.

Nós da RNMMP manifestamos o nosso apoio a Júlia Rocha e repudiamos a prática que tende a utilizar o discurso de ódio para combater divergências políticas e ideológicas, com conteúdo racista para isso.

A medicina deve estar a serviço do povo brasileiro, capaz de compreender o processo saúde doença que submete os indivíduos e comunidades ao adoecimento e se propor a transformar. A medicina, não pode ser uma correia de transmissão do pensamento elitizado e preconceituoso contra os mais desfavorecidos e oprimidos da sociedade brasileira.


PS do Viomundo: Após a enorme repercussão negativa da sua conduta, o médico Guilherme Capel pediu desculpas ao senhor José Mauro. Em sua página no Facebook, ele registra em foto a ida à casa do mecânico. Tomara que o arrependimento seja sincero. Ou terá sido apenas marketing para limpar a sua imagem?



Fonte: essa matéria é do site Viomundo

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