Posse de Lula e novo ciclo, 01/01/2003. Com os amigos Genésio e Rafael. |
Opinião
As redes sociais e os algoritmos das corporações de comunicação capitalistas inviabilizaram as democracias liberais e hoje não temos como evitar manipulações em resultados de consultas populares e eleitorais
1. Acordei nesta sexta-feira posterior ao debate presidencial de ontem à noite com um cansaço grande. Demorei pra sair da cama. Por ser aposentado do Banco do Brasil não precisei sair para trabalhar embaixo de chuva e frio. Diferente da maioria do povo brasileiro que depende de conseguir algum recurso para sobreviver ao próprio dia e que depende da nossa previdência pública quando conseguiu cumprir certas regras de aposentadoria, sobrevivo hoje do benefício de nosso fundo de pensão, caixa de previdência criada por nossa comunidade de trabalhadores há 118 anos.
2. Meu olhar de mundo é marcado pelo que sou e pelo que fui. Não posso me colocar na posição de visão de mundo de um bancário comum, de um cidadão comum, normalmente despolitizado. Não sou como a maioria do povo brasileiro porque tive a oportunidade na vida de me formar politicamente. Minha experiência de vida me obriga a lidar com as coisas com o conhecimento que tenho do mundo. Por mais que todos nós sejamos humanos e tenhamos nossos comportamentos manipulados pelos sistemas criados para tal, tenho que avaliar a realidade material como ela é. O tal lugar de fala tem relação com isso.
3. Este momento eleitoral da história brasileira me lembra um pouco algumas campanhas da categoria bancária na qual me formei politicamente ao longo de três décadas. Às vezes, situações setoriais ilustram bem conjunturas maiores, as partes podem demonstrar como seriam as tendências no todo. Acontecimentos em segmentos menores de aglomerações humanas podem servir de referência para avaliações de probabilidades e perspectivas em conjuntos muito maiores de aglomerações humanas. Ou seja, talvez experiências vividas na categoria bancária possam ilustrar um pouco o macro, o Brasil e o povo brasileiro.
4. As eleições de domingo, 2 de outubro, vão ser decididas no 1º turno ou teremos um 2º turno longuíssimo de caos para decidir o futuro do Brasil? Ganhar no 1º turno e esperar 90 dias para uma eventual posse do que sobrar do Brasil é uma possibilidade? O contexto atual é muito diferente das eleições de 2014, quando já estava avisado que se o PT ganhasse não levaria o mandato adiante? Nosso lado está preparado com planejamento mínimo situacional para amanhecer segunda-feira começando um 2º turno? Essas são algumas de minhas preocupações...
5. Essas indagações que faço a mim mesmo são mais para me lembrar das discussões políticas que fui aprendendo ao longo da militância na categoria bancária do que para querer apontar alguma coisa para o Brasil, pois eu não tenho essa capacidade. Menos, bem menos! Estou pensando nas tendências dos acontecimentos em nossa realidade brasileira e mundial mais como um ex-bancário militante que virou dirigente da categoria e viu como se deram os acontecimentos no passado recente (20 anos é um passado recente, sim!). Não tenho como prever absolutamente nada do que vai acontecer amanhã.
CAMPANHAS BANCÁRIAS NAS QUAIS AS DIREÇÕES SINDICAIS SOUBERAM CONDUZI-LAS BEM NA ADVERSIDADE DAQUELE MOMENTO
6. (2002 e 2022) A campanha salarial dos bancários desse ano me pareceu um pouco a campanha salarial dos bancários no último ano do governo dos tucanos em 2002. Sabíamos que não daria para avançar naquele contexto e nem a inflação conseguimos repor com FHC. Eram 8 anos de massacres dos direitos e derrotas. O movimento sindical era de resistência, não de avanços e conquistas. Neste ano de 2022, os bancários vinham na mesma toada de resistência contra os massacres de direitos no pós-golpe de 2016 e reformas dos governos criminosos de 2016 até agora. A campanha de 2022 se deu sob a ameaça do fim da ultratividade, sob o risco de perdas enormes de direitos após 31 de agosto. Amig@s, não queiram saber como deve ter sido difícil a vida dos dirigentes sindicais numa conjuntura dessas... eu não julgaria de forma alguma quem está no comando das representações dos trabalhadores. É uma dureza tomar decisões assim.
7. Na campanha salarial de 2003, primeiro ano de governo democrático e popular de Lula, o contexto novo foi de difícil interpretação por parte das lideranças da classe trabalhadora. Isso é um pouco esperado, por suposto: ao ver um sindicalista chegar ao poder, espera-se a revolução, o mundo vindo por canetadas (ninguém se lembra que a chegada de Lula ao poder foi conciliação de classes e não revolução). As movimentações nos diversos segmentos de lutas foram intensas. Vários atores exerceram seus papéis. A vida das lideranças sindicais não foi tão fácil quanto se imaginaria porque foi difícil dosar o que se esperava nas negociações salariais com o que se arrancaria de propostas entre trabalhadores e governo Lula. Se em 2002, aceitamos propostas rebaixadas para encerrar um ciclo macabro, em 2003 apresentamos propostas insuficientes para o que significava o novo contexto de governo do PT. No BB, a proposta de acordo de campanha salarial foi rejeitada em assembleias pelo país afora e uma greve gigante arrancou diversos direitos novos três dias depois. As direções sindicais conduziram bem a situação: da derrota nas assembleias, fizemos uma condução da greve e tivemos um fechamento vitorioso de campanha.
8. Na campanha salarial de 2004, novamente teríamos dificuldades das lideranças do movimento sindical para dosar o nível de desejos das bases e suas expectativas com as propostas construídas ao longo de meses de negociações salariais na categoria bancária. As direções se pautaram pelas reivindicações aprovadas nos fóruns de trabalhadores, o que é correto. A campanha de 2004 dos bancários me faz pensar um pouco neste contexto de 2 de outubro de 2022... Ao final das negociações de 2004, conseguimos arrancar em mesa negocial as bases econômicas e sociais das reinvindicações da categoria. Tinha aumento real de salário, tinha melhoria na PLR, tinha direitos sociais novos no acordo coletivo, entre eles a 13ª cesta alimentação, e pela proposta tínhamos tudo para renovar os direitos da categoria sem o conflito máximo entre capital e trabalho: a greve. Mas havia um componente emocional e comportamental que as oposições souberam trabalhar com as oportunidades que tinham e as pessoas foram convencidas a rejeitar tudo e sair para a greve. Criaram desconfianças em relação às direções, ilações diversas (fake news) e fomos para 30 dias de greve. Felizmente, as direções souberam novamente conduzir o movimento e os danos pela rejeição da proposta foram reduzidos por aguentarmos uma greve longa. A interferência da Justiça do Trabalho (com apoio daqueles que estimularam a rejeição da proposta e a greve) reduziu a proposta apresentada e perdemos direitos conquistados em mesa de conciliação de classes. Repito: as direções conduziram bem a greve e o fechamento da campanha.
ESTAMOS PREPARADOS PARA A REALIDADE PARA ALÉM DE NOSSOS DESEJOS?
9. Estamos vivendo uma mudança de era na história da humanidade. As tecnologias surgidas no último quarto de século, do final dos anos noventa para o momento atual, as tecnologias da informação, das redes sociais, ampliaram exponencialmente a capacidade de manipulação de massas através dos algoritmos: manipulações antes restritas a espaços geográficos menores agora são de alcances incalculáveis. Mudou-se radicalmente nossa capacidade de previsão e controle das coisas nas sociedades humanas. O mundo virtual passou a definir o mundo físico, real, material. As consultas políticas aos povos nos mais diversos lugares do planeta - eleições e plebiscitos - em 2014, 2016, 2018 etc vêm demonstrando o poder que as big techs exercem sobre milhares, milhões, bilhões de pessoas. As evidências de que não temos controle algum do que vai acontecer no mundo real por causa das manipulações do mundo virtual estão na nossa frente a olhos vistos e não temos o que fazer para deter ou interromper essas máquinas e esses sistemas, dominados por poucos, dominando milhões.
10. Muito já foi dito sobre as interferências ilegais e ilegítimas, fora das regras e dos controles sociais, sobre processos de consultas populares como as eleições norte-americanas de 2016 e da consulta no Reino Unido sobre o Brexit. As redes sociais foram utilizadas de forma inadequada por setores com interesses nos resultados das consultas populares e há uma clareza de que houve interferência no comportamento dos milhões de consultados a favor de tal posição e contrários a outra posição. Estudos e documentários demonstram que as redes sociais criadas nas duas últimas décadas interferem no comportamento das pessoas - exemplo, o documentário premiado "O dilema das redes" -, alteram o comportamento das pessoas mesmo. Isso mudou dos últimos anos para cá? Descobriram alguma forma de interromper a capacidade de influência no comportamento das pessoas por parte dos poucos donos desses sistemas privados de redes sociais? Francamente, não! Não temos como impedir e ou controlar esses processos de alteração de comportamentos por fake news em massa.
11. Todos esses sistemas são movidos a dinheiro, grana, capital. Isso é claro pra vocês? Nossos perfis nessas redes sociais são a mercadoria negociada com os compradores de influência, de manipulação e criação de desejos e comportamentos. Hoje se sabe que os algoritmos são ferramentas para nos catalogar e nos vender como mercadorias para aqueles que pagam para os donos das redes sociais pelos nossos dados, pelos nossos desejos, pelas nossas almas, nossas mentes. As big techs vendem a certeza de que nós vamos consumir o que as empresas (e pessoas) pagaram para obter. Mais que isso, os algoritmos funcionam para impulsionar todo esse sistema. Tudo é movido a dinheiro, grana, capital. Se é possível comprar dezenas de imóveis com pacotes e malas de dinheiro vivo (milhões e milhões), imaginem vocês o que é possível pagar em dinheiro vivo para essas empresas fazerem disparos de milhões bilhões de mensagens mentirosas para influenciar o comportamento de pessoas em poucas horas, dias, semanas... Não há como deter as fake news em 2022 que influenciaram as eleições em 2018 no Brasil. Não há! Leiam o pequeno livro de Jaron Lanier sobre "Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais" para vocês terem uma noção do que estamos falando. Leiam!
12. Enfim, por que vejo semelhanças nessas eleições brasileiras de 2022 com as campanhas dos bancários em 2002, 2003 e 2004? Porque existe uma onda de possibilidades e expectativas positivas para o nosso lado da classe, para o lado progressista da sociedade brasileira. Existe. Mas existe uma coisa que está muito além de nosso controle, de nossa capacidade de deter e talvez de enfrentar. As pesquisas eleitorais em 2018 erraram feio nos mais diversos lugares e contextos. Já havia a interferência dessas máquinas e sistemas de interferência no comportamento das pessoas movidos a milhões de dinheiros por fora pra espalhar fake news de forma certeira em cada grupo de pessoas com seus medos, raivas e tendências (os algoritmos sabem bem disso). Estamos a dois dias das eleições. Os mesmos sistemas estão a todo vapor atingindo dezenas de milhões de pessoas para influenciar seus comportamentos até domingo. O objetivo do momento é Lula não vencer no 1º turno. Se conseguirem isso, será quase um mês de caos e 2º turno é outra eleição, lembrem-se disso!
13. Nas campanhas salariais dos bancários que citei como referência, as direções souberam lidar com as adversidades que se apresentaram naquelas situações e conseguiram conduzir bem as campanhas até o desfecho positivo para a categoria bancária. Espero que nossas direções dos movimentos sociais, progressistas e de oposição a essa extrema-direita que tomou o poder estejam bem para a eventualidade de acordarmos na segunda-feira 3/10 iniciando um difícil e imponderável 2º turno nas eleições presidenciais do Brasil. Repito: não devemos subestimar todas as formas de fraudes e ilegalidades na alteração de resultados a consultas populares neste momento da história. Espero inclusive que as direções não esmoreçam e não diminuam a energia que conseguimos até aqui nessa onda positiva e progressista que nos faz acreditar na possibilidade de vencermos logo no domingo 2/10 essa desgraceira brasileira capitaneada pelo bolsonarismo.
Que tudo dê certo para o nosso lado da classe*.
#LulaNoPrimeiroTurno
William Mendes
Post Scriptum: repito: neste instante em que escrevo ou que você lê, as plataformas das big techs, como o YouTube, movidas a dinheiro, lucro, privilegiam, e muito, sugestões de conteúdos favoráveis ao inominável genocida ou sua patota. Estudos como o do NetLab (UERJ) mostraram dias atrás que 14 de 18 visitas à plataforma sugeriam vídeos de uma fonte bolsonarista. Quanto mais próximo da data da eleição, maior é o favorecimento das plataformas aos candidatos da direita. É o dinheiro que define isso! Antes de concluir esse texto, dois sites de esquerda e progressistas que visitei indicaram vídeos do inominável e do "passa a boiada". É impressionante, até nos endereços de esquerda as sugestões do algoritmo do YouTube são as da direita...
*De fato, Lula e Bolsonaro foram para um segundo turno que se mostrou dificílimo. A eleição foi definida a favor de Lula por uma margem bem pequena de votos em 30 de outubro de 2022.
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