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28.8.25

Artigo: A autorreforma sindical e a história dos bancários da CUT Brasil



Apresentação:

Publico em homenagem ao Dia dos Bancários e Bancárias e ao aniversário da Central Única dos Trabalhadores este artigo produzido por mim em 2010 para o livro "Procesos de Autoreforma Sindical en Las Américas - Avances del Grupo de Trabajo sobre Autoreforma Sindical (GTAS) en 2010-2011".

À época, era secretário de formação de nossa Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro, a Contraf-CUT, e havia participado em 2009 de um curso de formação na Organização Internacional do Trabalho (OIT) representando a nossa confederação e a nossa Central Única dos Trabalhadores (CUT).

William

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I. INTRODUÇÃO

No final dos anos setenta e início dos oitenta, o Brasil vivia sob a égide da ditadura militar, regime que calou a democracia e massacrou os trabalhadores e os movimentos sociais brasileiros, privilegiando alguns grupos empresariais e políticos de direita, e trazendo um crescimento econômico à custa da exploração dos trabalhadores e com a ajuda de sindicatos "oficiais" pelegos, vindos de uma estrutura sindical criada por lei.

Os trabalhadores de grandes setores da economia começaram a se organizar por conta própria, sem o apoio dos sindicatos pelegos, e passaram a exigir melhores salários, condições de trabalho e a volta da democracia no país, através de grandes greves.

Os trabalhadores criaram no início dos anos oitenta a CUT, com a intenção de organizar todos os trabalhadores do campo e da cidade, de todos os setores da economia, do segmento público e privado e tendo como premissa a ideia de uma estrutura sindical mais horizontal e direta na relação entre os trabalhadores e seus sindicatos e a Central.

Essa estrutura mais horizontal entre CUT e sindicatos afiliados tinha como objetivo se contrapor a estrutura oficial, formatada em lei, que mantinha com impostos e tutela do Estado uma estrutura verticalizada de sindicatos, federações e confederações, todas separadas por categorias profissionais e tendo diversos limites e travas na lei para coibir a luta contra os patrões. Também eram proibidas greves gerais que unissem várias categorias profissionais, dificultando até por lei a ideia de unidade e luta da classe trabalhadora.

Os grandes setores da classe trabalhadora brasileira se organizaram nos anos oitenta, à margem da lei e dos sindicatos oficiais, e iniciaram um histórico processo de organização original da classe trabalhadora dentro da CUT - que ficou conhecido como "Novo Sindicalismo" - e essa organização até hoje rende frutos e faz o enfrentamento às constantes reestruturações produtivas do capital.

Neste trabalho, apresentamos de forma sucinta, a história de organização da categoria bancária brasileira, que nesses trinta anos do "Novo Sindicalismo" organizado na CUT, conseguiu enfrentar vários governos e conjunturas econômicas e sociais, como o neoliberalismo, e mantém uma Convenção Coletiva Nacional que abrange bancos públicos e privados, nacionais e estrangeiros, e que enfrenta atualmente grandes desafios como buscar novos acordos marco - a Convenção Coletiva é um acordo marco -, interromper o processo de terceirização e avançar na busca de mais direitos contratados e que valham para todos os trabalhadores dentro do ramo financeiro, dominado por poucas empresas globais e conglomerados nacionais.

2. BREVE HISTÓRICO DA CATEGORIA NOS ANOS 80

A criação da CUT foi um grande passo na organização da classe trabalhadora brasileira: começaram as grandes greves e a luta por melhores salários, condições de trabalho e democracia.

Quando os bancários começaram a se organizar nos anos oitenta, havia várias datas-base por bancos e por regiões do país. Isso dificultava qualquer possibilidade de lutas organizadas em nível nacional.

Em 1982 os bancários realizaram encontros e começaram a unir a categoria em nível nacional.

Em 1983 os trabalhadores brasileiros criaram a Central Única dos Trabalhadores com participação importante do setor bancário.

A criação da CUT trouxe para os trabalhadores brasileiros a pluralidade e a democracia na organização da classe trabalhadora, pois a Central reunia diversas categorias profissionais, diversas linhas de pensamento político e ideológico, setores tanto do campo como da cidade e do setor público e privado, com o intuito de fazer um sindicalismo classista, de massa, com sustentação financeira própria, autônomo e independente de governos e partidos políticos e baseado nos locais de trabalho.

Em 1984 os bancários participaram ativamente na luta pelas "Diretas Já", movimento popular exigindo o fim da ditadura militar e a volta da democracia brasileira.

Em 1985 os bancários organizaram uma greve histórica que paralisou mais de 60% da categoria, ou seja, mais de meio milhão de trabalhadores. Criaram um comando nacional e começaram a realizar a unidade nacional da categoria.

Depois de várias dificuldades enfrentadas pelos grevistas, como violência da polícia e tribunais do trabalho - órgãos do aparato de Estado e favoráveis aos banqueiros -, algumas vitórias foram conquistadas, como reajustes salariais e direitos sociais contratados para vários bancos e regiões do país.

Em 1986 os bancários criaram o Departamento Nacional dos Bancários da CUT - DNB/CUT - para melhorar a organização do setor bancário em nível nacional. O DNB impulsionou rapidamente a criação de novos sindicatos e a conquista de sindicatos oficiais pelegos e se mostrou uma decisão acertada dos bancários da CUT.

Ainda nesta década histórica de luta bancária, os empregados da Caixa Econômica Federal - importante banco público do país - conquistaram o direito de serem considerados bancários e terem a jornada de trabalho da categoria de 6 horas e a filiação em sindicatos de bancários, pois antes eram tratados como economiários.

III. ANOS 90 - BANCÁRIOS ENFRENTARAM COM UNIDADE ATAQUES DO NEOLIBERALISMO

Foi nos anos 90 com o governo Fernando Collor de Mello que começaram as políticas neoliberais de privatizações e caça aos sindicatos e aos direitos trabalhistas.

Os bancários brasileiros, que já estavam organizados nacionalmente no DNB/CUT desde 1986, resistiram melhor aos ataques neoliberais e até conquistaram novos direitos.

Em 1992 os sindicatos de bancários transformaram o Departamento Nacional dos Bancários DNB/CUT - que era somente uma organização interna do setor bancário dentro da Central - em Confederação Nacional dos Bancários - CNB/CUT.

Em 1992 os bancários conquistaram a primeira Convenção Coletiva Nacional de uma categoria - CCT - assinada entre a CNB/CUT e a Fenaban - a federação dos banqueiros -, uniformizando direitos básicos como o piso salarial e direitos sociais em bancos privados e públicos estaduais, para todas as regiões do país. Conquistaram também vale-refeição diário, auxílio-creche e babá, reajustes uniformes para todas as verbas de natureza salarial etc.

Em 1994 os bancários conquistaram para a Convenção Coletiva o direito à cesta-alimentação mensal.

Em 1995 a categoria foi pautada pelas transformações na remuneração e demais exigências do capital e negociaram e contrataram o direito à Participação nos Lucros e Resultados - PLR -, assinada com a CNB/CUT e com regras definidas de valor e porcentagem para todos os trabalhadores dos bancos signatários, sem discriminação ou vínculo a metas individuais, como queriam os bancos.

Nessa década, os bancos públicos federais estavam isolados em suas lutas contra os governos e quando conseguiam negociação, assinavam Acordos Coletivos de Trabalho - ACT. Até o ano de 2003 os públicos federais ficaram sem acordos de PLR assinados com a CNB/CUT, acordos que contêm regras claras de distribuição a todos os trabalhadores.

Após o ano de 1995, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, os ataques neoliberais foram fortemente acelerados e grandes setores da economia foram privatizados. Para os bancários, a história não foi diferente. Quase todos os bancos públicos estaduais e regionais foram privatizados e houve forte ataque aos públicos federais.

Nos bancos públicos federais começaram os congelamentos salariais e a perda de direitos coletivos e planos de demissão "voluntária" - PDV - com demissões em massa. Só no Banco do Brasil foram eliminados mais de 50 mil postos de trabalho ao final do processo de enxugamento para posterior privatização, com o suicídio de dezenas de trabalhadores.

Nos bancos privados, e nos estaduais que resistiram à privatização, e que já seguiam a Convenção Coletiva da categoria, seguiu a luta unitária e manutenção de reajustes e principais direitos coletivos.

IV. ANOS 2000 - A CATEGORIA BANCÁRIA CONQUISTA A UNIDADE ENTRE BANCOS PÚBLICOS E PRIVADOS

A Convenção Coletiva de Trabalho dos bancários passou a ser assinada pelos bancos públicos federais e foi criada a Contraf-CUT, para organizar todos os trabalhadores do ramo financeiro.

No final dos anos noventa, os bancários de bancos públicos federais passaram a discutir em seus congressos anuais o fim do isolamento e a busca da unidade com a categoria. Após a mudança de governo em 2002, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, um maior diálogo entre trabalhadores e governo permitiu alguns avanços, como a luta para unir os direitos coletivos dos bancários na mesma Convenção Coletiva de Trabalho.

Alguns passos estratégicos foram importantes para a categoria e a ação sindical foi fundamental para isso com as mobilizações e as greves gerais. Os bancários fizeram grandes greves em toda esta década.

Em 2003 os bancários dos bancos públicos federais fizeram greve exigindo do governo federal o cumprimento da Convenção Coletiva de Trabalho da CNB/CUT. Ao final, conseguiram vários direitos, mas estes direitos ainda foram mantidos em acordos específicos - ACT.

Em 2004 a CNB/CUT exige em acordo prévio com o governo federal que ele cumpra o que os bancários conquistassem na campanha nacional da categoria, tanto direitos sociais como índices econômicos. Os bancários vão para uma greve de 30 dias e ao final ocorre julgamento do TST - Tribunal Superior do Trabalho - diminuindo proposta integral negociada em mesa geral com a Fenaban. Mas as conquistas foram melhores que as dos anos anteriores, quando públicos federais e privados estavam separados.

Em 2005, na Conferência Nacional dos Bancários - encontro que finaliza uma série de encontros locais e regionais da categoria -, é criado um Comando Nacional de negociação entre os trabalhadores e os banqueiros e governo. Ao final da campanha nacional, o Banco do Brasil passou a assinar a CCT da CNB/CUT. A Caixa Econômica Federal assinaria a mesma Convenção no ano seguinte.

Em 2006 os bancários criaram a Contraf-CUT - Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro da CUT - pela necessidade de organizar a totalidade dos trabalhadores que estão inseridos no processo produtivo do sistema financeiro, pois os banqueiros foram se reestruturando em conglomerados e holdings e retirando direitos conquistados na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria bancária.

A luta atual da CUT é para voltar a representar cerca de um milhão de trabalhadores no ramo financeiro, pois somente a metade está com os direitos contratados em convenções e acordos coletivos.

Como síntese da organização da categoria nos anos 2000, destacamos que os bancários conseguiram a unidade nacional e por 7 anos seguidos fizeram grandes greves nacionais, ora gerais ora por bancos.

Os bancos públicos passaram a ter reajustes em todas as verbas salariais - antes da unidade com a categoria na mesa da Fenaban, ou era reajuste zero ou era só no piso e nada nas comissões e funções e também passaram a ter direitos econômicos e sociais que eram maiores na CCT da Contraf-CUT.

V. ESTRUTURA DE NEGOCIAÇÃO E CONTRATAÇÃO COLETIVA DOS BANCÁRIOS BRASILEIROS

Os trabalhadores brasileiros vêm acumulando experiências importantes em termos de organização sindical desde a criação da nossa Central Única dos Trabalhadores - CUT - nos anos oitenta.

Os desafios para enfrentar o setor patronal sempre foram grandes, como também foram grandes as estratégias e táticas adotadas pelos segmentos de trabalhadores dentro da Central para avaliar a melhor forma de organizar cada categoria profissional de acordo com as suas respectivas necessidades e reestruturações produtivas constantes, como é inerente ao sistema capitalista.

A estrutura de organização e negociação coletiva atual dos bancários passou por várias adaptações nestas três décadas de organização cutista. Percebemos a necessidade de nos organizarmos por ramo financeiro nos anos 2000 e buscar a organização internacional por parte dos trabalhadores do setor financeiro porque o lado patronal já se organiza assim também.

Os bancários brasileiros têm uma estrutura organizacional em nível nacional, que conta com um comando político chamado Comando Nacional, que é coordenado pela Contraf-CUT, e que representa cerca de 90% dos bancários do País em sua Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) e aditivos, tanto por bancos quanto por regiões.

* Comando Nacional dos Bancários

* Contraf-CUT, que coordena o Comando Nacional, contém 8 federações filiadas e cerca de 110 sindicatos representados + 2 federações e sindicatos de outras centrais

* Federações de bancários, que representam os sindicatos filiados e têm suas representações no Comando Nacional, nas COEs (Comissões de Empregados por bancos) da Contraf-CUT e nos grupos/mesas temáticas

* Sindicatos de bancários em todo o país, que se organizam nas regiões através das federações, e decidem as questões da categoria junto aos bancários em assembleias, encontros e plenárias

* OLT - Organização nos Locais de Trabalho - Os delegados sindicais, militantes e cipeiros organizam os locais de trabalho junto com os sindicatos locais para levar demandas, informações e criar a correlação de forças para as negociações coletivas nacionais, seja por banco seja por temas

VI. O PROCESSO DEMOCRÁTICO DA CONSTRUÇÃO DAS REIVINDICAÇÕES DOS BANCÁRIOS

Um dos fatores mais importantes da unidade da categoria bancária é a democracia em seus processos tanto para a construção da pauta de reivindicações como nos momentos decisivos de se deliberar pela mobilização e greve ou pela aceitação das propostas e contratação coletiva.

Todos os anos as negociações nacionais entre banqueiros e governo e os trabalhadores bancários começam com assembleias de base em mais de uma centena de sindicatos, reunidos em dez federações.

Após as propostas serem debatidas e votadas nas assembleias, ocorrem encontros e conferências estaduais ou regionais - por federações.

Finalizadas essas etapas locais, os bancários brasileiros participam de uma conferência nacional da categoria que define a pauta final de reivindicações a ser entregue aos banqueiros e governo.

Além de todo esse processo democrático, também temos os congressos dos bancos públicos que definem da mesma forma - desde assembleias de base até o congresso nacional - as questões específicas a cada banco público.

Nos últimos anos, os bancários negociam de forma concomitante tanto as questões gerais da Convenção Coletiva de Trabalho - CCT -, comum a todos, como as pautas específicas a cada banco público.

Quando não há propostas ou quando elas são insuficientes os bancários de todos os segmentos decidem em assembleias se aceitam o que foi oferecido ou se entram em greve.

Ao final do processo de mobilização e greve, os bancários contratam os novos direitos que renovam a CCT e os aditivos por banco.

Se as reivindicações específicas dos bancos públicos não forem atendidas ao final da greve geral, pode ocorrer de a categoria como um todo aceitar a renovação da Convenção Coletiva e um ou mais banco seguir na greve em busca de suas reivindicações específicas.

Além desse processo de construção das pautas de negociação, também temos na Contraf-CUT as COEs - Comissões de Empregados dos principais bancos -, bancários indicados pelas próprias federações para aprofundar questões como segurança, terceirização, saúde, igualdade e outras mais.

Temos instaladas mesas de negociação com os banqueiros em 2010 que tratam das questões de Igualdade, de Terceirização, de Segurança Bancária e de Saúde e Condições de Trabalho.

VII. A CONTRAF-CUT E A QUESTÃO DA ORGANIZAÇÃO DO RAMO FINANCEIRO

A questão de organizar os trabalhadores que estão inseridos no processo produtivo do sistema financeiro é hoje um dos maiores desafios dos trabalhadores brasileiros e do mundo.

Temos alguns bancos - grandes conglomerados criados através de reestruturações societárias - que atuam em sistema de cartel e monopolizam o mercado bancário. Esses poucos bancos conseguiram nos últimos anos, através de muita influência nos parlamentos e nos órgãos reguladores como o Banco Central, desorganizar todo a categoria bancária em termos de direitos coletivos e legislação trabalhista.

Temos mais de um milhão de trabalhadores fazendo operações de intermediação financeira no Brasil e menos da metade está coberta com os direitos da Convenção Coletiva de Trabalho dos bancários - CCT - assinada entre a Contraf-CUT e a Fenaban.

A outra parte dos trabalhadores do sistema financeiro está distribuída em regimes precarizados de trabalho, em diversas modalidades de terceirização de serviços bancários, a maior parte delas é pura interposição fraudulenta de mão de obra.

Direitos fundamentais da categoria como piso e jornada de trabalho de 6 horas e semana de trabalho de segunda a sexta-feira não são respeitados dentro da cadeia produtiva terceirizada e precarizada dos conglomerados financeiros.

Serviços de atividades auxiliares no dia a dia dos bancos como processamento de envelopes de depósitos bancários, pagamentos e recebimentos, abertura de contas e empréstimos, aplicações e cartões de crédito, bem como produtos financeiros do mesmo conglomerado como seguros, capitalização, previdência, planos de saúde, consórcios etc, todos esses serviços e fontes de receita dos bancos continuam sendo feitos como no passado, mas sem os trabalhadores receberem os direitos dos bancários.

Algumas figuras jurídicas criadas pelo Banco Central brasileiro, como os Correspondentes Bancários, põem em risco a própria existência de nossa categoria, pois é melhor um banco terceirizar completamente os serviços e os custos do que manter em folha de pagamento um bancário com seus direitos coletivos nacionais.

O desafio da Contraf-CUT e de suas federações e sindicatos de bancários atualmente é reorganizar esses trabalhadores terceirizados, mobilizá-los, fazer greves como sempre fizemos e passar a representá-los primeiro de fato, liderando as greves e buscando negociações, e depois representá-los também de direito, mudando a lei e a legislação. A CUT já fez isso desde a sua origem e estamos fazendo novamente, lutando contra essas reestruturações produtivas que prejudicam a classe trabalhadora.

A Contraf-CUT foi criada para buscar reorganizar e representar de fato e de direito mais de 500 mil trabalhadores que continuam trabalhando para os conglomerados financeiros, só que sem os direitos da categoria bancária.

São setores inteiros como telemarketing; empresas dos próprios bancos de produtos financeiros de capitalização; previdência e seguros; empresas de processamentos de Back Office; tecnologia da informação (TI); correspondentes bancários como a empresa Correios e Telégrafos (parceria com Bradesco) e lotéricas (parceria com a Caixa Econômica Federal); cooperativas de crédito; e agora, supermercados e demais lojas do comércio substituindo o trabalho bancário. Sem contar toda a automação bancária que já acompanha o setor desde os anos oitenta.

Nos últimos anos, nossos sindicatos têm organizado os terceirizados que processam os envelopes de depósitos bancários para alguns bancos como, por exemplo, a empresa Fidelit que atende o Bradesco e o Santander (empresa pertence aos bancos), e através de greves nessas empresas, organizadas por nossos sindicatos, já conquistamos direitos coletivos que esses trabalhadores não tinham como o vale-refeição e a cesta-alimentação.

Também estamos lutando juridicamente e nos parlamentos para que a legislação dê mais garantias formais aos trabalhadores do sistema financeiro. Há projeto de lei no parlamento para regulamentar e disciplinar que tipo de terceirização pode ocorrer em setores como o financeiro e outros. Mas a lei ainda precisa ser votada e um dos problemas é a correlação de forças dos representantes dos trabalhadores no parlamento nacional.

A luta pela unidade e por mais direitos contratados segue, para os bancários do Brasil e do mundo.

William Mendes

Secretário de formação da Contraf-CUT (2009-2012)


Bibliografia:

Procesos de Autoreforma Sindical en Las Américas - Avances del Grupo de Trabajo sobre Autoreforma Sindical (GTAS) en 2010-2011. Proyeto FSAL-AS/ACTRAV/OIT

21.12.24

Diário e reflexões



Diários da história dos bancários (3)

Osasco, 21 de dezembro de 2024. Sábado.


Opinião 


LULA, O PT E O NOVO SINDICALISMO QUE CRIOU A CUT

Tirei algum tempo deste sábado, véspera de Natal, para mexer nos papéis velhos de um ex-sindicalista dos bancários da CUT.

Li uma revista no formato HQ muito legal, contando a história de Lula. A revista é anterior à vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002.

Neste mês, Lula está completando a metade do terceiro mandato presidencial. As avaliações do nosso lado da classe são as mais diversas possíveis. 

O debate franco é proibido no PT e na CUT. Quem tiver avaliação divergente dos chefes e das chefas não é convidado a falar nos espaços oficiais, e se for é sob risco severo de ser desconsiderado e cancelado. 

Eu afirmo a vocês que compreendo essa realidade, compreendo. Lembrando aqui o ensinamento de Eric Hobsbawm, que compreender não é concordar nem aceitar, é entender o processo histórico daquele fato, daquela situação. 

Eu já estava exercendo mandatos de representação da classe trabalhadora a partir de 2002 quando fui estudando nossa história diariamente, pois tinha muita necessidade de entender quem eu era sendo um membro da maior corrente política da CUT, a Articulação Sindical.

Só tomei plena consciência sobre quem éramos, de onde tínhamos vindo, quais eram nossas concepções e práticas sindicais e políticas quando estudei a história do Lula, a origem da CUT e do PT. 

Passei a entender melhor o fato de nunca termos sido revolucionários e sim conciliadores. 

Isso me ajuda a entender até hoje o que acontece na política dentro e fora do governo Lula, do PT e da CUT. 

Não poderia tendo o conhecimento que acumulei em décadas de luta e representação esperar mais do que está na natureza dessas instituições da classe trabalhadora brasileira que citei aqui.

É isso!

William Mendes 


18.3.24

Cancelamento na esquerda é falta de solidariedade

 


Cancelamento na esquerda é falta de solidariedade de classe

Opinião

 

CENÁRIO DESAFIADOR PARA A CLASSE TRABALHADORA

As classes exploradas e despossuídas do mundo vivem um cenário pra lá de desafiador neste momento da história humana, século 21, ano de 2024. Ao invés de utopias, as tendências são distópicas (o futuro caminha para ser pior, não melhor). Desemprego de nosso lado, concentração de riqueza e poder maior ainda do lado dos ricos; carências de tudo no lado do povo: alimentação, saúde, educação, moradia, segurança, cultura. Destruição do planeta pelo capitalismo. Belluzzo escreveu nestes dias: caminhamos para um “Estado de mal-estar social”.

Além do drama da emergência climática, cujo efeito é parecido ao de bombas atômicas porque os países ricos e hegemônicos fazem as merdas e as consequências extrapolam os quintais, já que o efeito radioativo e os efeitos climáticos se sentem em todo o globo terrestre (pois felizmente ou infelizmente a Terra não é plana), temos o drama da mudança radical de comportamento humano, fruto do neoliberalismo e das ferramentas de manipulação das big techs: o que era uma utopia de liberdade e reencontros de amigos no início do século - internet e as redes sociais - viraram máquinas de divulgação de ódio e rupturas de amigos e familiares. Nos transformaram em animais baseados em instintos e paixões, ninguém tem mais tolerância nem ouvidos para opiniões diferentes.

Sobre as ferramentas que dominaram o mundo e nossas mentes e comportamentos, ainda temos pessoas que acham que vão vencer os algoritmos dos donos das big techs. Doce ilusão! (amarga ilusão, pois isso impede ações para combater os algoritmos desses poucos donos do poder mundial, poder que extrapola fronteiras de países inteiros: vide o Brexit, todo mundo se ferrou, menos meia dúzia de articuladores da manipulação do povo)

Enfim, após essa introdução de minha leitura do cenário desafiador para a classe trabalhadora mundial, para os 99%, em oposição ao 1%, que pra mim deveria ser identificado claramente como nossos inimigos no mundo humano, vou registrar o que penso sobre a ferramenta social da atualidade que podemos denominar “cancelamento”.

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TERÍAMOS AVANÇADO NOS DIREITOS DO POVO SE HOUVESSE CANCELAMENTOS COMO HOJE NA CONSTRUÇÃO DO NOVO SINDICALISMO?

É óbvio que gostaria de ir direto para o ponto sobre o que penso dessa ferramenta desumana de cancelar pessoas, mas para poder ao menos pensar a respeito olhando para trás, eu preciso me perguntar se haveria o Partido dos Trabalhadores (1980), a Central Única dos Trabalhadores (1983), o Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem-Terra (1984), o movimento pelo fim da ditadura e pela volta da democracia “Diretas Já” (1985), e se haveria os militantes de esquerda porretas que contribuíram decisivamente na Constituinte para a Constituição Cidadã de 1988... acho difícil!

Fico pensando se teríamos uma Central com 17 (dezessete) correntes e forças políticas como a CUT chegou a ter na sua origem ou mesmo se teríamos criado a Articulação Sindical como a tendência hegemônica em congressos e fóruns democráticos, e com isso em diversos sindicatos de categorias importantes, caso o fenômeno do cancelamento e do banimento de qualquer voz dissonante fosse a regra naquele período...

Minha opinião: nunca! Até porque a estratégia da Articulação para se constituir como maioria no movimento sindical foi justamente juntar pessoas e grupos que já não estavam comprometidos com as correntes do chamado centralismo democrático: convergência socialista, os comunistas e outras forças políticas com longa trajetória de lutas no mundo.

Tenho a leitura racional que jamais teria passado a minha vida contribuindo para as lutas e conquistas da Articulação Sindical se não fosse a paciência da dirigente sindical Deise Lessa à época que me conheceu numa agência do Banco do Brasil. A ética sindical daquela geração dela ouvia e respeitava pessoas que pensam diferente! Não fosse essa ética daquela época da Articulação e do Novo Sindicalismo, eu teria ficado nos grupos que viviam me convidando para as reuniões que só falavam mal da diretoria do sindicato.

A prática de se buscar o consenso progressivo de todas as formas possíveis, antes de simplesmente contar votos e ter vitórias de Pirro no campo da classe trabalhadora, dividindo forças políticas o tempo todo, não resistiria a meia dúzia de cancelamentos à época, fazendo de conta que “esqueceram” de convidar fulano ou cicrana para um fórum importante.

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Na atualidade, não querem minha opinião sequer sobre uma das temáticas mais complexas do movimento sindical e que sei alguma coisa – gestão de autogestão em saúde – e outro dia, numa manifestação de rua, conversando com duas lideranças do meu sindicato de base, me perguntaram se eu havia gravado um vídeo sobre os 100 anos do Sindicato e ao dizer que ainda não, me disseram que eu iria ser contatado... pensei comigo no dia: doce ilusão! (provavelmente eu vá ser lembrado quando morrer... uma lembrança burocrática, talvez)

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A ESQUERDA NÃO DEVERIA ABRIR MÃO DE QUADROS COM HISTÓRIA E CONHECIMENTO POR CAUSA DE PICUINHAS DA BUROCRACIA

Após uma vida vivida dentro do movimento sindical bancário brasileiro, desde adulto jovem com 18 anos até os 50 anos de idade, a gente pode dizer que viu muita coisa no seio do movimento social de nosso país, de nossa classe trabalhadora. Modéstia à parte, eu vivenciei muitos momentos importantes e diria até decisivos para a nossa história, senão da classe, mas também, ao menos da categoria, e com certeza do segmento da categoria chamado bancários do Banco do Brasil.

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“Não tem que tolerar a religião dos outros, tem que respeitar” (Frei Betto)

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Antes de terminar esta reflexão, deixo claro algumas coisas:

É evidente que escrevo porque em mim dói alguma coisa também, mas falar sobre o tema cancelamento é uma necessidade inadiável no campo da esquerda. Faz tempo que essa “ferramenta” vem enfraquecendo e diluindo nossas frentes de esquerda nas lutas centrais contra o verdadeiro inimigo de nossa classe. Isso precisa parar, sem a recuperação da solidariedade e do fazer político verdadeiro, onde todas as pessoas e grupos sejam ouvidos e os debates ocorram com a tentativa de construção de unidade, as forças extremistas à direita, que são vozes ou ferramentas dos donos do poder (1%), e estão sendo organizadas de forma mundial, vão nos cancelar a todos, a todos.

Eu não sou e não quero ser candidato a mais nada, não quero representar ninguém, já valeram as duas décadas de representação desde a sindicância de condomínio até as representações sindicais no movimento dos bancários. Aliás, nunca me coloquei em disputas de candidaturas a nada, nunca, sempre que fui representante eleito de algum grupo é porque esses grupos debatiam e me convidavam, me procuravam para pedir que eu disponibilizasse meu nome para aquela causa (muitas delas com um sacrifício pessoal imenso).

Então, repito, escrevo sobre cancelamento porque tenho opinião e experiência de décadas na luta da esquerda, quero o bem de nosso povo, e afirmo que essa ferramenta vai inviabilizar nossas vitórias nas lutas de classe. Sozinhos ou de bolha em bolha de gente de ideias idênticas não vamos a lugar algum na luta de classes.

NÃO SE JOGA FORA CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA

O movimento organizado tem uma característica extraordinária de criar bons quadros políticos com conhecimentos de mundo formados no dia a dia das lutas. Os conhecimentos de um dirigente sindical, político, estudantil ou de outros movimentos específicos – identitários ou por moradia e pela terra pra plantar etc – são conhecimentos gerais e muitas vezes técnicos que não se adquirem nos estabelecimentos formais de educação.

Por isso acho um desserviço essa ferramenta do banimento, cancelamento, esquecimento, invisibilização e retirada do acesso de lideranças de qualquer movimento aos espaços de organização das próprias lutas em si. É uma prática pouco inteligente. E isso vem se ampliando exponencialmente ano após ano, e na última década a coisa chegou aos limites da insanidade.

Por décadas, li e estudei e tomei conhecimento do pensamento de lideranças e forças políticas diversas da minha porque os via falando, defendendo as ideias deles, porque tinham direito a escrever teses nos congressos, tinham espaço para falar nas assembleias, que eram presenciais. Agora é raro, cada dia mais impossível, ouvir alguém falar algo diferente do que a direção de determinado sindicato, grupo, movimento pensa. Pior ainda, dentro da mesma força política, se a pessoa perguntar ou questionar algo e a chefa ou chefe não gostar, adeus àquela vítima... ela será esquecida e nunca mais terá existido na face da Terra.

(e pensar que a referência negativa na Articulação Sindical era o chamado stalinismo, com aquele lugar-comum de até apagar fotos de lideranças que viraram desafetos etc)

Agora não se fazem mais teses, não se fazem mais assembleias e congressos presenciais (são raros), o que impera são as redes sociais das big techs, que permitem cancelar e bloquear ideias diferentes e invisibilizar vozes e pensamentos assim como as big techs fazem com as esquerdas mundo afora...

NÃO SE ACHAM MILITANTES DE ESQUERDA AOS MONTES POR AÍ (ENTÃO RESPEITEM OS QUE EXISTEM)

Às vezes, militantes são grandes especialistas em temas e questões que estudaram e foram acumulando conhecimento anos a fio, são o resultado das nossas lutas contra os verdadeiros inimigos de nossa classe, mas como têm opiniões fortes, muitas vezes não concordam com a proposta ou tese que o/a líder daquele espaço defende, e então são vetados, banidos de qualquer fórum que vá tratar daquele tema. Quem ganha com isso? O nosso lado da classe?

Digam se isso não acontece no seu espaço de militância hoje em dia.

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FALTA DE SOLIDARIEDADE E CUMPLICIDADE DAQUELAS PESSOAS QUE NÃO FAZEM NADA PARA QUE OS CANCELAMENTOS ACABEM NA ESQUERDA

Penso que não adianta ficar chorando o leite derramado, tivemos na última década muitas divisões em nossa classe trabalhadora, coincidentemente após aquelas manifestações de junho de 2013 - movimentações sabidas hoje que não foram “espontâneas” porque eram parte de um processo global de guerras híbridas.

Temos que retomar os diálogos, a paciência de ouvir, temos que respeitar as opiniões diferentes, e não “tolerar” como diz Frei Betto, temos que nos reunir em fóruns de nossa classe e construir consensos que evitem que as extremas-direitas, o movimento fascista global, nos derrotem, derrubem ou inviabilizem governos como o do presidente Lula.

Entendo que é uma obrigação ética ter mais solidariedade no campo da esquerda. Quantas lideranças forjadas em décadas de lutas estão por aí, apagadas, canceladas, invisibilizadas, por parte das direções dos movimentos sindicais, partidários, estudantis etc?

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Eu cobro responsabilidade de toda aquela e aquele que não se posiciona em seu espaço de poder e representação pelo fato dele/a saber que alguém está cancelado e não fazer nada a respeito. Quando eu fazia a fala inicial aos novos funcionários do BB explicava a eles que nunca achassem normal serem assediados, a violência organizacional, a humilhação etc. Não se pode achar “normal” apagarem da história uma militância e não se questionar internamente essa atitude... isso está errado na ética política da esquerda, que quer mudar o mundo hegemonizado pelo capitalismo e por seus agentes.

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A UNIDADE É A MELHOR CHANCE PARA A ESQUERDA

Eu me dirijo aos dirigentes bancários e militantes tanto da ativa quanto aposentados em relação à luta para que esses cancelamentos deixem de acontecer em suas bases sindicais.

Por que será que uma liderança local, que contribuiu de forma importante para a nossa história, nunca mais apareceu em debates e eventos de seus fóruns? Pode ser que ela tenha decidido descansar mesmo, nada mais justo, mas pode ser que ela nunca mais tenha sido convidada a contribuir com seus conhecimentos e experiências para os desafios atuais da direção do movimento por algum motivo pessoal de alguém ou até sem motivo. Isso é justo, é legítimo, é ético? Pensem a respeito.

Dias atrás, fui cobrado para me posicionar sobre a eleição da Cassi, autogestão em saúde dos funcionários do Banco do Brasil. É algo no mínimo inusitado. Desde as eleições de 2020, fui “esquecido” pelo meu sindicato de base na hora dos debates dos fóruns para se debater os temas. Isso se repetiu em 2022, esqueceram de mim na primeira semana de dezembro de 2021. E estamos com eleições em 2024. O que penso sobre isso?

Como ninguém quis ouvir o que eu pensava sobre o tema, e eu conheço alguma coisa sobre a Cassi e autogestões e modelo de saúde, e como eu teria contribuições a fazer, achei descabido me cobrarem posicionamento. Fui cancelado pelo meu sindicato, praticamente com foto apagada como aquelas da URSS, e entendi que o melhor seria seguir morto politicamente – CPF cancelado -, apesar de estar vivo civilmente e biologicamente.

Estive em um fórum de pessoas construindo conhecimentos sobre autogestão nesta semana e me pareceu que eu tive algo a contribuir, fiquei feliz e não fiz mais do que me exigiria a ética política de passar adiante o conhecimento que adquiri nas lutas da classe trabalhadora.

Sempre, sempre estive à disposição de todas as entidades sindicais, políticas, organizativas e outras para contribuir com o pouco que sei de alguns temas e assuntos que adquiri saber nas lutas diárias do movimento sindical. Sigo à disposição no que puder contribuir.

Quanto à eleição da nossa autogestão, eu tenho opinião, como ser politizado aprendi que é importante se posicionar, estudando o tema antes se necessário, e achei muito ruim o nosso campo da esquerda se dividir dando chances à chapa do outro campo. As bases sociais brasileiras estão muito polarizadas. Acho um risco. Espero que as forças mais à esquerda ganhem e que as chapas 2 e 55 não voltem para a gestão da nossa Caixa de Assistência.

Mas se realmente quisessem minha opinião, poderiam ter me chamado em qualquer fórum sindical que ajudei a fortalecer nas últimas décadas. Eu sigo à disposição do movimento sindical.

William Mendes


23.10.23

História dos bancários: um olhar (X)



O Espelho - Revista Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil

23 de outubro de 2023


Unidade e organização pela defesa dos nossos direitos

Ao ler as informações contidas na revista O Espelho nº 2, de fevereiro de 1983, me veio à memória muitas lembranças a respeito desse importante veículo de comunicação dos funcionários e funcionárias do maior banco público do país, o Banco do Brasil.

Durante mais de uma década fui um dos responsáveis pela confecção e edição da revista nacional O Espelho, produzida na minha época de militância pela Confederação Nacional dos Bancários (CNB/CUT) e depois pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramos Financeiro (Contraf-CUT), na qual fui secretário de imprensa, depois secretário de formação e também coordenei a Comissão de Empresa dos Funcionários do Banco do Brasil (COE BB ou CEBB). 

A responsabilidade pela publicação à época desta edição (número 2) era da Comissão Executiva Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil, escolhida no IX Encontro Nacional dos Funcionários do BB, realizado em outubro/82. A informação está na última página do jornal. A Comissão era composta pela Contec e pelos sindicatos de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo.

Esta edição que tenho em casa é uma relíquia, ela é anterior à criação da CNB/CUT (1992), e anterior ao DNB/CUT (1985/86), departamento criado dentro da CUT (1983) para organizar os bancários em nível nacional.

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Reprodução da primeira página

Unidade e organização pela defesa dos nossos direitos

Neste momento, em que o país passa por difíceis situações e no qual se procura de todas as formas desestabilizar as empresas estatais, entre elas o Banco do Brasil, os funcionários do BB - mais do que nunca - devem reforçar sua unidade e organização, a nível nacional, para lutar pela manutenção de seus legítimos direitos, adquiridos ao longo da História.

Aqui está o segundo número d'O ESPELHO/Edição Nacional procurando levar aos colegas de todos os estados, das capitais e interior, o recado animador, com os informes do que já foi encaminhado e do que devemos fazer daqui para frente.


No dia 2 de dezembro de 1982 a Diretoria do BB recebeu em audiência representantes da CONTEC e dos Sindicatos de Brasília e do Rio de Janeiro. Na oportunidade discutiram-se as possibilidades de negociação e do cumprimento das convenções coletivas pelo BB, mediante autorização do CNPS (Conselho Nacional de Política Salarial).

Até agora não obtivemos resposta do Banco. Não sabemos sequer se o seu Conselho diretor aprovou tal consulta ao CNPS, apesar da insistência da Contec e dos Sindicatos. Entretanto, mais do que nunca se firma a necessidade de estabelecermos uma pauta de reivindicações que contente a totalidade dos funcionários do BB, com vista à realização de negociações com o Banco. Com esse objetivo, foi definida a realização do X ENCONTRO NACIONAL DE DIRIGENTES E FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL, nos dias 19 e 20 de março de 1983 (sábado e domingo), no Rio de Janeiro, na sede do Sindicato dos Bancários.

Na sua Circular nº 83/008, de 4 de fevereiro, a CONTEC dirigiu às Federações, Sindicatos e Associações de Bancários todas as informações necessárias à participação no X Encontro: ele deve ser precedido da realização de Assembleias dos funcionários do BB nos Sindicatos até o dia 10 de março, para aprovar a pauta de reivindicações que será apresentada ao Banco, delegação de poderes para negociação e escolha de delegados ao X Encontro. A CONTEC sugere que os sindicatos componham as suas delegações com um representante de cada Agência do Banco existente em sua base territorial e que compareça, pelo menos, um dos seus dirigentes, mesmo que não seja funcionário do BB.

Os funcionários do BB sempre estiveram à frente nas lutas dos trabalhadores. O momento agora exige de nós um trabalho persistente: todo funcionário está chamado a ajudar o seu Sindicato a convocar amplamente a assembleia preparatória para o X ENCONTRO, fator fundamental para a nossa vitória.

QUAIS SÃO AS NOSSAS REIVINDICAÇÕES

Como sugestões para compor a pauta de reivindicações, a Comissão Executiva dos Funcionários do BB aprovou o seguinte:

Produtividade - a maior conseguida no país;

Anuênio - Cr$ 2.455,00 corrigido pelos INPCs de março e set/83;

Ajuda Alimentação - a) tíquete nas condições de São Paulo, b) restaurante administrado pelos funcionários do banco;

Estabilidade - durante a vigência do acordo;

Quadro de Carreira - criação de uma comissão paritária para estudar o assunto;

Creche - idem, idem;

Conflitos - funcionamento de uma comissão sindical para discuti-los. deverão ser incluídas reivindicações ligadas aos problemas de relações de trabalho, Caixa de Previdência e de Assistência, etc.

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COMENTÁRIO DO BLOG

Eu me tornei trabalhador da categoria bancária em 1988, primeiro no Unibanco, até maio de 1990, e depois no BB, a partir de setembro de 1992. Enquanto fui bancário de base, fui sendo politizado pelo nosso Sindicato na Grande São Paulo. Fui sindicalizado tanto no tempo do Unibanco quanto no BB, alguns meses após tomar posse do cargo de escriturário na agência Rua Clélia. Sou sindicalizado até hoje em nosso Sindicato.

Em 2002 fui eleito diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e a partir desse momento passei a estudar a nossa história de lutas para compreender melhor quem eu era enquanto trabalhador bancário e representante de meus colegas.

Sempre que encontrava materiais informativos sobre a categoria e a nossa história eu pegava as mídias para ler. Também fui um leitor atento dos jornais da categoria, tanto a nossa Folha Bancária quanto as revistas e jornais estaduais e ou nacionais.

No início dos anos oitenta, época deste informativo, os trabalhadores brasileiros sofriam horrores sob a ditadura empresarial e militar, que havia começado com o Golpe de 1964 e ainda causava miséria e carestia ao povo. Os salários e acordos coletivos eram regionalizados. 

O movimento sindical que viria a ser conhecido como Novo Sindicalismo começava a se destacar após as greves dos metalúrgicos do ABC e outras greves e enfrentamentos importantes como tivemos na categoria bancária.

Enfim, a história de lutas da classe trabalhadora brasileira e dos bancários é longa e aguerrida. Assim que comecei a estudar a nossa história, compreendi a responsabilidade que teria como dirigente sindical bancário.

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Segunda parte

Nessa página está um texto intitulado "A importância do BB", texto que destaca a história secular do Banco, que alega que a estatal funciona bem e auxilia o governo e o país e que enaltece o quadro de funcionários e a estrutura nacional do Banco

FGTS - A revista traz uma denúncia de que funcionários do Banco estavam sendo obrigados a "optar" pelo regime do FGTS, abrindo mão da estabilidade no emprego.

"A verdade é que o quadro de carreira do Banco do Brasil vem sendo desmantelado. Os novos empregados são obrigados a 'optar' pelo regime do FGTS, abrindo mão de toda a estabilidade. Quase todos os dias há casos de colegas sendo demitidos sem que nenhuma justa causa seja apresentada para a dispensa. Com a chamada 'política salarial', verdadeira salada de casuísmos, regurgitada desde 1965 pelos governos que se sucederam sob o título de 'revolucionários', e com as famosas 'reestruturações' de carreiras aprovadas nos gabinetes do Ministério do Trabalho, sigilosamente, ninguém sabe como, já bem pouco resta da saúde administrativa da estrutura que tornou o Banco do Brasil grande e respeitado."

O jornal denuncia a redução de até 40% dos salários nos últimos dois anos. Com as políticas salariais do regime autoritário, a Comissão Executiva Nacional conclama que todos se envolvam nas lutas:

"É preciso tomar uma posição. Comissionados ou não, chefe ou contínuo, estaremos todos no mesmo barco. Participe do seu sindicato, e contribua para barrarmos as imposições do capital internacional."

COMENTÁRIO DO BLOG: por décadas, participei das lutas da categoria e as pautas do mundo do trabalho sempre tiveram eixos parecidos. Me lembro de organizar os bancários explicando que os comissionados tinham que participar do movimento, ainda mais depois que os bancos inventaram um monte de função comissionada para manipular os trabalhadores ideologicamente como se eles fossem "chefes" e não "trabalhadores". Já no início dos anos dois mil, praticamente todo mundo nas agências tinha algum tipo de "comissão" para o banco dizer que eram funções de confiança. Uma lábia para enganar a categoria.

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BANCÁRIOS PARTICIPAM DA CRIAÇÃO DA CUT EM AGOSTO DE 1983

Esse excerto que cito abaixo é muito legal! A categoria bancária é estimulada a participar ativamente da criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em Congresso que se realizará em agosto de 1983 (CONCLAT).

"Os trabalhos da comissão de Política Sindical, aprovados pela plenária, basearam-se nas conclusões da I Conferência Nacional da Classe Trabalhadora realizada em Praia Grande, em 1981. Entre as teses aprovadas, destaca-se o princípio de unicidade sindical, ou seja, um só sindicato representando uma só categoria: a necessidade de liberdade e autonomia sindical, para que os trabalhadores tenham o direito de se organizarem independentemente do Estado, tendo que prestar contas somente aos seus representados. Foi colocada a necessidade de os bancários de todo o país participarem do Congresso Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT) em agosto de 1983, do qual sairá, certamente, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), um órgão que se propõe a encaminhar unitariamente reivindicações comuns dos assalariados."


Ainda na página três do jornal, lê-se a informação de que ocorreu em 28/01/83 o Encontro Nacional dos funcionários do BB, aproveitando a VII Convenção Nacional dos bancários. A reinvindicação de cumprimento das convenções coletivas constava do documento final. 

Tive a felicidade de ver durante minha época de militância a realização de uma luta antiga: o cumprimento por parte dos bancos públicos da convenção nacional da categoria. Em 2006 o BB passou a cumprir a CCT da categoria e depois a Caixa Federal também.

Na última página, o jornal dá notícias sobre o andamento de ações na justiça em relação ao cumprimento do Dissídio Coletivo de 1974.

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COMENTÁRIO FINAL

É isso! Finalizo a postagem de história dos bancários de hoje. A militância do Banco do Brasil participou ativamente da história das conquistas da classe trabalhadora brasileira, da criação da CUT, e nós sempre fomos vanguarda do movimento sindical.

A revista O Espelho fez parte de minha vida de trabalhador do BB. Durante décadas me informei por esse veículo de informação. 

E mais: durante minha vida de sindicalista, distribuí O Espelho de mão em mão nos locais de trabalho das bases onde atuei.

Abraços a todas e todos!

William


Post Scriptum: para ler o texto anterior desta série é só clicar aqui.


28.8.23

Memórias (XXXIX)



28 de agosto - Dia das bancárias e bancários e aniversário da Central Única das trabalhadoras e trabalhadores

Osasco, 28 de agosto de 2023.


Após muita reflexão, e muito sofrimento, decidi reconhecer que não me queriam mais na maior corrente política da Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Articulação Sindical. Fui militante político por décadas e deixei minhas contribuições na história da categoria bancária, da Central e dessa corrente política. Entendi que um militante de esquerda precisa ter um mínimo de amor-próprio até para seguir nas lutas. Luto...

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DIA DOS BANCÁRIOS E ANIVERSÁRIO DA CUT

O dia 28 de agosto é uma data histórica para nós por diversos motivos, dois deles muito ligados a nós que dedicamos a nossa vida à construção dos direitos da classe trabalhadora e de um país mais justo e solidário. A data é referência para os bancários por marcar uma de nossas maiores greves da história e a data é efeméride da criação da Central Única dos Trabalhadores, que hoje completa 40 anos de lutas e conquistas.

A CUT foi finalmente fundada em 1983, após longas discussões entre as forças políticas que se organizavam no final dos anos setenta e início dos anos oitenta. Surgiam no período novas forças sindicais que seriam denominadas de Novo Sindicalismo durante e após as Conferências da Classe Trabalhadora, as Conclat. Tínhamos nos metalúrgicos a figura de Lula e tínhamos grandes lideranças de outras categorias profissionais. Como é um texto de memórias não vou ficar citando nomes porque faltariam nomes importantes.

Entre 1985 e 1987 surge a maior tendência política dentro da CUT, a Articulação Sindical. O contexto no qual as forças políticas construíam a Central permitiu e estimulou a convivência fraterna de diversos grupos dentro da CUT. O respeito às diversas formas de pensamento também vinha sendo exercitado dentro do Partido dos Trabalhadores (PT), criado em 1980. As "tendências" eram uma solução para congregar ideias e visões diferentes antes de se decidir no consenso ou no voto as posições finais do Partido ou da Central.

MILITÂNCIA BANCÁRIA

Entrei na categoria bancária 5 anos após a criação da CUT, comecei a trabalhar no Unibanco em 1988, no Centro Administrativo da Raposo Tavares (CAU). Lá, conheci as lideranças do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e além de me sindicalizar e fortalecer o nosso sindicato e as lutas, fui convencido pelo pessoal a organizar internamente os colegas para uma greve que ocorreria no período. Deu certo, cheguei de madrugada naqueles dias e paramos a agência bancária dentro do CAU. Pelo que me lembro, a greve no CAU do Unibanco foi boa naquele ano. Depois de um tempo, fui transferido de departamento, sofri um pouco de assédio e acabei sendo demitido em maio de 1990. 

Cito o funcionário do Sindicato e companheiro Marcos Martins como dirigente político que me inspirou para sempre a ser um representante de classe que independente do mandato eletivo que estivesse exercendo jamais deixaria de estar nas bases sociais, ao lado dos trabalhadores e daqueles que representa. Marcos Martins exerceu todos os seus mandatos sempre presente nas bases. Modéstia à parte, fiz isso, exerci 16 anos de mandatos sempre atento a ouvir as bases, fossem mandatos locais ou nacionais. Fiz o esforço ético de estar sempre nas bases que representava.

Voltei à categoria bancária pouco tempo depois da demissão do Unibanco em 1990. Em 1991 prestei o concurso público do Banco do Brasil, comecei a fazer faculdade de Ciências Contábeis, virei estagiário do BB na agência Ceagesp já no início do ano de 1992 e apesar do concurso ter sido cancelado por fraude, e eu havia passado, fiz de novo e passei de novo. Tomei posse de meu cargo de escriturário na agência Rua Clélia em setembro de 1992. Já no início de 1993, me sindicalizei de novo ao Sindicato e até hoje pago em dia minhas mensalidades ao nosso Sindicato que completou 100 anos de existência.

ARTICULAÇÃO SINDICAL

Minha primeira década de bancário do Banco do Brasil foi a década de grandes ataques aos direitos sociais no banco e risco de privatização do maior banco público do país. As correntes políticas na categoria bancária faziam o que era possível para organizar os trabalhadores e a sociedade para resistir aos ataques de Fernando Collor e FHC. Fui aprendendo política no local de trabalho. Nenhuma escola ensina política como a luta organizada no mundo do trabalho. Afirmo isso como quem fez duas graduações e quase concluiu uma terceira. E também fiz muito movimento estudantil como, por exemplo, a famosa greve de mais de 100 dias da FFLCH/USP em 2002.

O Sindicato organizava os locais de trabalho (OLT) criando uma rede de militância por regiões e por concentrações de bancos. Nós que enfrentávamos os gestores e os assediadores éramos disputados pelas forças políticas, toda hora tinha alguém nos convidando para reuniões organizativas. Fui a diversas reuniões políticas que depois entendi que eram de partidos e grupos sindicais diversos: PT, PSTU, PCdoB, PCO, Convergência Socialista, FES, Articulação Sindical, CSD etc. A CUT era composta por uma enormidade de tendências internas, se não me engano eram umas 17 forças políticas dentro da CUT nos anos oitenta.

Enfim, como eu não me sentia à vontade em reuniões nas quais a militância mais falava mal da direção do Sindicato e do Sindicato do que dos patrões e governo, acabei ficando nas reuniões dos representantes do Sindicato e quando entendi, eu era um militante da Articulação Sindical da CUT no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região. Foi assim a minha primeira década de funcionário do BB. 

Minha referência de trabalho sindical e representação de base, de pessoa que ouvia e debatia com a militância, foi a companheira Deise Lessa, do BB. Como eu era um militante de opinião "forte", a Deise sofreu comigo (risos). Me lembro dos debates sobre as reformas dos estatutos da Cassi (1996) e da Previ (1997/98). Foram necessárias diversas reuniões políticas com a Deise e outros companheiros para que eu compreendesse bem as questões e passasse a defender as propostas da corrente política do Sindicato.

Em 2000 eu quase entrei na direção do Sindicato, mas não deu certo. Em abril de 2002, acabei compondo a chapa cutista vencedora das eleições do Sindicato e virei dirigente sindical. Fui liberado do local de trabalho para me dedicar exclusivamente ao mandato sindical em 5 de agosto de 2002. Após quase 10 anos de atendimento ao público no caixa do BB virei dirigente sindical e, infelizmente, por uma estratégia da direção do banco, desde o 1º dia tive uma redução salarial de cerca de 1/3 porque passei a receber salário de escriturário e não de caixa executivo...

Durante 16 anos de mandatos eletivos, nunca deixaria de visitar com regularidade o meu local de trabalho para ouvir os colegas - a agência Vila Iara em Osasco - e fazer os debates políticos em questão. Vi colegas chegarem e partirem para outras dependências, vi diversos gestores passarem pela agência e nunca deixei de visitar o que considerava o meu local de trabalho. Até hoje, tenho contato com amigos da dependência, alguns na ativa, outros aposentados.

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DIRIGENTE POLÍTICO DA CATEGORIA BANCÁRIA

A categoria bancária e a classe trabalhadora brasileira viveram grandes momentos em sua história de lutas e conquistas nos anos dois mil. Fico feliz por ter feito parte dessas lutas.

Como dirigente sindical bancário a partir do ano de 2002 eu fui me desenvolvendo e me politizando a partir das lutas que idealizamos e realizamos durante os mandatos presidenciais de governos progressistas e mais favoráveis à classe trabalhadora e aos movimentos populares.

A campanha para a eleição de Lula em 2002 já foi uma tremenda escola política. Depois vieram as campanhas salariais da categoria e pertencer a um dos maiores sindicatos do país me fez entender que eu não poderia perder tempo em relação à formação e passei a estudar a nossa história e entender quem eu era desde o início do mandato.

Muita coisa já escrevi nessas memórias que postei aqui no blog, não sei se essa será a última postagem, afinal de contas já são 39 capítulos de lembranças e histórias dessa trajetória de militância política na categoria bancária sendo um dirigente da Articulação Sindical da CUT.

Em linhas gerais, e olhando rapidamente para trás, sei que tive uma participação importante em várias conquistas desse período porque ser dirigente de um sindicato grande faz diferença nessas questões. Algumas estratégias políticas de campanha salarial foram gestadas em nosso sindicato e outros dos maiores do país. 

CAMPANHA UNIFICADA E AUMENTO REAL

Posso citar como exemplos de estratégias exitosas a campanha unificada entre bancos públicos e privados na categoria bancária e a estratégia de reivindicar aumentos reais de salários e não focar só na reivindicação de "perdas". Fui um agente importante desses debates entre a companheirada dos bancos públicos do país. Nossa corrente Articulação Sindical praticamente defendeu sozinha essas estratégias no início e com muita argumentação fomos convencendo os demais setores do movimento.

Estratégias de organização do movimento também foram foco de grandes debates durante todos os anos de governos do Partido dos Trabalhadores e sem dúvida deixei a minha contribuição ao debate, sempre falando como uma liderança da Articulação Sindical. Essas decisões se dão nos congressos e sempre fiz defesas das teses da corrente em debates acalorados e muito ricos.

Guardarei sempre na memória a minha participação em dezenas de assembleias lotadas na Quadra dos Bancários e outros espaços durante as campanhas de renovação de direitos nas datas-bases da categoria. Fui um dos inscritos em falas finais de assembleias do BB para aceitar ou rejeitar propostas de acordo coletivo entre 2003 e 2013 na base de São Paulo, Osasco e região.

Além de ter sido membro da Executiva do Sindicato, fui representante de São Paulo na Comissão de Empresa já nos primeiros anos de mandato. Depois acabei sendo coordenador nacional da CEBB (ou COE BB). A tabela da Carreira de Mérito (2010) tem participação minha na idealização alternativa a lutar por "perdas" no PCS antigo do BB (anterior a 1996). Como havíamos perdido os interstícios de 12 e 16%, pensei formas alternativas de premiar antiguidade no banco. Deu certo à época.

MANDATOS NA CONTRAF-CUT

Fui secretário de imprensa e depois de formação de nossa Confederação desde o seu primeiro congresso em 2006. Essas oportunidades me permitiram crescer muito como pessoa e como dirigente porque mergulhei nos estudos de comunicação e imprensa e depois na formação política e histórica da classe trabalhadora. 

Fomos responsáveis juntamente com a direção e os funcionários por dar visibilidade à nova marca "Contraf-CUT" em substituição à antiga "CNB-CUT". E com parcerias com o Dieese, federações e sindicatos fizemos memoráveis cursos de formação entre 2009 e 2015. Foram centenas de participantes de todas as regiões do país.

MANDATO NA CAIXA DE ASSISTÊNCIA DO BB (CASSI)

Minha última contribuição em mandatos eletivos foi na diretoria de saúde da Cassi. Tínhamos alguns objetivos ao iniciar o mandato e durante a gestão fomos estudando e compreendendo melhor o que significava a Caixa de Assistência para os associados e participantes e para o segmento de autogestão em saúde dos trabalhadores.

Além das questões afetas à área que fui responsável, a do modelo de saúde, a Cassi tinha uma questão geral a resolver com o banco patrocinador e os associados: o custeio do Plano de Associados.

As áreas da Cassi sob minha responsabilidade direta foram prioridade absoluta: o modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF) e a estrutura própria de saúde - Unidades e CliniCassi - foram fortalecidos, bem como a ampliação da participação social e compreensão do que era a Cassi.

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A HISTÓRIA DA LUTA DE CLASSES É COLETIVA

Foram mais de três décadas trabalhando como bancário, servindo às brasileiras e brasileiros que precisam de serviços bancários e do sistema financeiro, e representando os colegas em espaços de construção coletiva de direitos. 

A história da luta de classes é e provavelmente sempre será coletiva, construída a diversas mãos. Que bom que seja assim. Sozinhos não somos nada.

Após uma vida dedicada às lutas da categoria bancária, acabei tendo um final de vida laboral de forma isolada e sem despedidas em 2019. Já vivíamos anos difíceis no Brasil, com um golpe de Estado em andamento, tempos de Temer e Bolsonaro.

Diferente daqueles finais felizes, com festas de despedidas e plaquinhas de agradecimento, meu último ano de trabalho no BB foi tenso, já que eu havia sido dirigente dos trabalhadores e estava sem mandato algum. Felizmente eu tinha muitos dias de abonos e licenças acumulados e me afastei até me desligar e exercer meu direito de ser beneficiário de nossa previdência complementar.

Como militante da classe trabalhadora, mesmo retirado do dia a dia da vida bancária, seguirei estudando e compartilhando experiências, memórias e conhecimento através de meus textos e da participação eventual nos movimentos sociais.

Parabéns às bancárias e bancários e vida longa à Central Única dos Trabalhadores! 

William Mendes


Post Scriptum: fiz dezenas de artigos ou capítulos de memórias aqui no blog, estão todos disponíveis, o anterior a este pode ser lido aqui.


18.6.23

Memórias (XXXVIII)


Na mesa de assembleia com grandes lideranças:
Deli, Vaccari, Marcolino e Sasseron. Foto: Pepe.


Evocações

A leitura do livro Evocación, de Aleida March, me levou aos prantos. Aleida é uma mulher revolucionária, foi combatente na Revolução Cubana e companheira de Ernesto Che Guevara. A leitura de suas recordações e resgates de momentos vividos ao lado de Che me fez refletir sobre muita coisa e também me fez recordar o passado de lutas.

Em suas recordações, ela vai nos contando sua infância e adolescência, vivida em meio às dificuldades materiais e sob a violência que o povo sofria por parte do governo de Fulgencio Batista, ditador que assumiu o poder após o golpe de Estado de 1952. Ela encontrou a si mesma ao ler aos 20 anos de idade A história me absolverá, alegação de defesa de Fidel Castro no julgamento dos jovens revolucionários que atacaram o quartel de Moncada, em 26 de julho de 1953. 

Aleida disse: "sentí que en ese documento se expresaban todos mis ideales y la ruta a seguir para conquistar la plena dignidad patria."

Ao longo do livro o leitor passa a conhecer um Che Guevara que não se conhece lendo a farta biografia positiva e negativa que existe sobre ele. É diferente de outras biografias ler Aleida March compartilhando conosco a sua vida comum com Che, seu comandante, depois seu chefe, depois seu marido e pai de seus quatro filhos. Seu amante, seu amigo, seu professor e seu inspirador. Seu eterno apaixonado. 

Ao ler sobre o momento no qual Che se despede de Aleida e dos filhos em 1965, deixando fitas gravadas com declamações dos poemas que mais gostavam, para partir para a guerrilha de libertação do povo no Congo, foi impossível não chorar como ela diz que chorou...

Che acreditava na construção de um "homem novo", um novo ser humano, um ser humano educado, com cultura, com um forte espírito criador e focado na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. Era muito forte em sua concepção e prática revolucionária a questão da ética e do caráter que as pessoas deveriam ter tanto nas questões pessoais e coletivas quanto nas relações sociais.

Com a leitura das evocações de Aleida March, foi inevitável reviver minhas próprias evocações dos tempos de lutas...

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NA REPRESENTAÇÃO DE CLASSE, PROCUREI FAZER NA PRÁTICA O QUE DEFENDÍAMOS NO CAMPO DAS IDEIAS DA ESQUERDA

Figuras humanas como a do médico revolucionário Ernesto Che Guevara sempre inspiraram o campo político da esquerda. No nosso caso brasileiro, a figura do metalúrgico humanista Luiz Inácio Lula da Silva nos inspira há décadas, sendo Lula um grande homem da prática como exemplo de vida e representação política.

Ao longo das evocações de Aleida March, relembrando posturas éticas e princípios inquebrantáveis no líder revolucionário Che Guevara, tive também as minhas recordações dos tempos de lutas sindicais e representação eletiva da classe trabalhadora. As evocações me trouxeram uma leveza que ninguém poderá me tirar, porque a ética foi a minha prática no dia a dia da luta empreendida entre capital e trabalho.

No movimento sindical, minha escola de formação política foi o Sindicato dos Bancários e depois a tendência política na qual militei por décadas. No dia a dia sindical, a minha formação foi sendo construída diariamente a partir das visitas às bases sociais e nas reuniões políticas e formativas do coletivo de banco ao qual eu pertencia, o do Banco do Brasil. 

Como dizíamos, tínhamos dois ouvidos e uma boca, então era importante ouvir a base e não só fazer pregação sem ouvir o outro lado. Fiz isso a vida toda. Sempre que estudamos um grande líder do nosso campo político - o democrático -, vemos que essa prática é central: ouvir as pessoas.

Dei sorte de vivenciar o momento áureo do sindicalismo bancário e cutista brasileiro. A divergência de opiniões e ideias era a prática e ninguém era excluído ou desconsiderado (hoje dizem "cancelado") por ter opinião própria, estávamos abertos a mudar de ideia e, por haver tolerância e paciência, todos saíam fortalecidos e unidos com os debates e as decisões construídas por consenso progressivo.

Com o passar do tempo na condição de dirigente eleito, fui assumindo novas tarefas no movimento e ao passar a coordenar e liderar temas importantes ou setores estratégicos, me esforcei para pôr em prática tudo o que havia aprendido no dia a dia da formação política advinda da relação com a base, com o coletivo de banco, com o conjunto da direção do Sindicato e com as demais forças políticas que atuavam no movimento e que eram "oposição" à corrente política que eu representava. E também exerci a ética e prática sindical na relação com o patronal, o capital.

Ao longo do livro de recordações de Aleida March, ela nos conta passagens nas quais Che não aceitava absolutamente nenhuma ação que pudesse parecer privilégio, não admitia nenhum excesso de gasto pessoal com o recurso que era coletivo, era de uma disciplina incrível nas ações e práticas que exercia em nome da revolução e da causa pela qual lutava, a leitura e o estudo permanentes eram uma questão de princípio, educação e formação para construir-se o homem novo para uma nova sociedade.

De certa forma essas foram as mesmas concepções e práticas sindicais que embasaram a minha formação política de esquerda, através do movimento que ganhou o nome de Novo Sindicalismo a partir do final dos anos setenta, com a luta de metalúrgicos, bancários, professores e outras categorias contra a carestia, pela volta da democracia e por um Brasil mais justo e igualitário. Os anos oitenta foram o momento áureo dessas lutas: a criação do Partido dos Trabalhadores, a Conclat e depois a CUT, o MST, as Diretas Já, a Constituinte e a Constituição Cidadã de 1988 deram as bases ideológicas ao movimento sindical ao qual me integrei no final dos anos oitenta e ao longo das décadas seguintes.

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EVOCAÇÕES SINDICAIS (2003-2018)

A formação da minha ética política se deu nos primeiros anos do movimento sindical. E seguiu ano após ano, nas lutas constantes e dilemas vividos nas funções que desempenhei como dirigente da classe trabalhadora.

Diria até que minha ética de trabalhador de categoria organizada sindicalmente e nacionalmente se deu assim que entrei na categoria bancária em 1988, e com embates reais entre capital e trabalho. No entanto, a ética como liderança se deu após 2003.

TER OPINIÃO DIFERENTE NÃO É SER INIMIGO DA DIREÇÃO DO SINDICATO - Ainda como trabalhador de base nos anos noventa, me lembro, por exemplo, de quando o nosso sindicato entrou com ação judicial contra o governo federal para que os trabalhadores bancários da base pudessem abater todas as despesas com educação. Falei com a direção sindical que isso iria dar merda...

Eu já era formado em Ciências Contábeis e entendi que isso tinha um risco enorme de dar errado e a liminar ser cassada porque os bancários vivem no mesmo mundo do restante da classe trabalhadora. Por que só nós teríamos esse direito, esse privilégio?

Não deu outra... liminar cassada e teve trabalhador que precisou vender carro para pagar o fisco. Os bancários ficaram bravos pra caramba com o sindicato. Eu avisei onde trabalhava que era uma fria utilizar essa liminar. A intenção do sindicato até era legítima, mas estava na cara que esse atalho para se fazer justiça tributária não era o mais adequado. 

A FORMAÇÃO POLÍTICA COMO DIRIGENTE SINDICAL

Me lembro das assembleias decisivas dos bancários do Banco do Brasil naquele primeiro ano sob o governo do presidente Lula (2003). 

Era uma segunda-feira quando veio a proposta final do governo para ser apreciada em assembleia à noite na Quadra dos Bancários. 

Eu havia dito ao nosso coordenador da comissão de negociação que seria difícil a aprovação da proposta arrancada na mesa de negociação porque os trabalhadores esperavam ao menos uma proposta idêntica ao índice que a categoria havia conseguido na mesa da Fenaban. 

Isonomia e campanha unificada eram eixos congressuais nossos, mesmos direitos entre todos os bancários, de bancos privados e públicos em geral. 

Defendemos a aprovação da proposta negociada em mesa - isso é uma ética de mesa de negociação entre capital e trabalho. Os bancários rejeitaram a proposta e construímos uma forte greve entre a terça e a quinta-feira. 

A direção do Sindicato foi impecável em nossa ética sindical, os trabalhadores decidiram e nós encaminhamos uma greve muito forte. 

Na quinta-feira, iríamos apreciar nova proposta negociada com o governo e patrão sob uma correlação de forças melhor - a greve forte - e agora com o índice cheio da categoria (12,6%), e com diversas conquistas novas: um acordo de PLR que não havia nos bancos públicos, isonomia nos tíquetes e auxílio-creche que eram menores no BB, um aumento grande na cesta-alimentação, 5 dias de abonos para funcionários pós-1998, a volta do direito de eleger delegados sindicais com estabilidade, e abono dos dias de greve. Uma proposta vitoriosa mediante a greve daqueles 3 dias.

A assembleia à noite foi tensa, quadra lotada. 

Na passeata que fizemos durante a tarde, parte da militância me disse que queria aceitar a proposta e encerrar a greve vitoriosa. Outra parte queria rejeitar a proposta e queria muito mais, talvez a revolução (rsrs). 

Na reunião da direção nos bastidores da assembleia, decidimos que eu faria uma das defesas da proposta, eu já tinha muita inserção na base social. 

Foi difícil aquela fala com a massa de trabalhadores, gente querida gritando e ofendendo, queriam continuar a greve. 

Aprovamos a proposta e a categoria saiu vitoriosa daquela campanha. 

Eu me sentei atrás do palco e chorei. Foi tenso demais. Iniciei ali uma relação de liderança com a categoria baseada em muita honestidade e ética sindical. Eu fiz a coisa certa naquele momento.

A militância que ficou brava na hora depois me procurou e nos deu razão. Foi uma campanha vitoriosa.

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A LIBERDADE DE OPINIÃO FOI CENTRAL NA MINHA FORMAÇÃO POLÍTICA

Depois dessa primeira assembleia decisiva em 2003, fiz nas assembleias em São Paulo as defesas das propostas finais das negociações entre a direção do Banco do Brasil e nós das confederações de bancários da CUT (CNB e Contraf) entre os anos de 2004 e 2013, foram 11 anos de muitos debates com a massa de trabalhadores bancários de nossa categoria.

Cada ano, uma história. A campanha de 2004 e a greve de 30 dias. A campanha de 2005 (e essa tem uma história antes mesmo de começar)... e assim sucessivamente até a última campanha que atuei no sindicato e na confederação em 2013. Em 2014 fui eleito para a direção da Caixa de Assistência dos Funcionários do BB (Cassi) e no congresso daquele ano deixei a coordenação do movimento no banco.

Estabeleci uma relação ética com os trabalhadores e com as lideranças de todas as forças políticas que atuavam na categoria bancária. Essa ética na postura e na defesa daquilo que acreditava marcou momentos políticos interessantes em nossas vidas de direção sindical nos anos dois mil.

Cheguei a fazer falas em congressos de bancários dividindo tempo com pessoas da oposição contra a minha própria corrente política porque eu entendia que a proposta em questão era um absurdo completo, contrária aos princípios que norteavam as nossas bandeiras políticas da CUT. 

É claro que houve um consenso em nosso grupo de que a corrente estava dividida naquele tema e foi aberta essa possibilidade de defesa a favor e contra a proposta em questão - algo que o pessoal conhecia com o apelido de "cláusula Zé Lourenço". Nunca fui porraloca como dirigente. Minha atuação naquele momento foi consentida pelo grupo político ao qual eu pertencia. No final, a proposta "Zé Lourenço" foi rejeitada com votação apertada após contagem de crachás.

E nem por isso, ter opinião divergente de parte de minha corrente, deixei de ser uma liderança nacional, coordenador de nossas bancadas e negociações etc. Havia uma ética no movimento sindical que permitia a opinião divergente e o debate de ideias sem a pessoa ser demonizada e cancelada por isso. Todos ganhavam com a construção do consenso progressivo, a Política e a Democracia eram fortalecidas.

Essa política saudável de debate de ideias e construção de consensos foi sumindo do seio de nossa democracia sindical e partidária na última década. Avalio que isso não é bom para o movimento dos trabalhadores. Isso não fortalece a unidade e o pertencimento às causas que defendemos.

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NA COMUNICAÇÃO E NA FORMAÇÃO POLÍTICA O CORPO FALA, A PRESENÇA NO AMBIENTE É CENTRAL (ONTEM E HOJE)

A leitura das evocações de Aleida March, companheira de Che Guevara, me trouxe várias lembranças ao longo dos quatro dias de leitura. Várias. Tem uma passagem no livro onde ela fala do incomodo do Che quando algum companheir@ deixava de participar dos eventos presencialmente.

"Es en esta época en que el Che comienza a asistir a las recepciones de gobierno, porque entendía que era un compromiso ineludible y una escuela de formación para los nuevos cuadros de la Revolución. En realidad se molestaba muchísimo cuando algún compañero no asistía, al considerarlo como parte de sus funciones. Como siempre, iba vestido con su uniforme verde olivo, que ya en la noche había sufrido el rigor de la faena de todo el día: reuniones, actos, en fin, las tareas cotidianas." (ALEIDA March, Evocación, p. 102)

Aproveito a passagem acima para refletir em uma postagem de Memórias no blog sobre essa questão da "escuela de formación" quando se trata da participação presencial em eventos formais da política. 

Tenho observado que algumas das direções sindicais e partidárias deixaram de fazer encontros e assembleias presenciais quando o assunto pode gerar algum enfrentamento político. 

Entendo todas as alegações que as direções apresentam para só fazerem assembleias e eleições virtuais, mas acho uma perda de oportunidade não aproveitar esses eventos políticos para educar e formar a classe trabalhadora que se quer organizar e representar.

Em uma assembleia ou congresso de trabalhadores, tudo ensina, tudo educa. Até as movimentações dos grupos políticos pelos cantos, definindo as posições e as defesas, demonstram aos participantes a pujança da política e do debate de ideias. Demonstra inclusive que as pessoas com ideias diferentes não são inimigas, só têm ideias diferentes... a política deve ser civilizada, ela é para se evitar a violência e a guerra.

Quando eu coordenava as negociações nacionais do Banco do Brasil e os congressos e assembleias, sempre pedia para a nossa militância fazer falas e defesas que fossem didáticas ao falar para o plenário. Não era necessário ficar só nas provocações com os outros grupos. A fala deveria ser formativa. Quem atuou comigo vai se lembrar disso.

Ao fazer uma defesa sobre a campanha unificada, ou sobre o porquê de ser melhor reivindicar ganho real ao invés de perdas desde Cabral, ou por quê salário fixo é melhor que remuneração variável, eu pedia que o dirigente desse o histórico do tema para centenas de participantes que iriam votar a seguir. A política deve educar o trabalhador e a trabalhadora.

Outra questão muito importante é a própria postura das mesas que coordenam congressos e assembleias, os ritos democráticos, se não existir eventos presenciais toda essa construção democrática desaparece. Ela sempre foi meio consuetudinária, ritos construídos entre nós trabalhadores e não registrados em papéis. E funcionavam!

Outro dia, fui a uma assembleia presencial do meu condomínio e ao ver a desorganização e a falta de tato para coisas básicas, precisei pedir o microfone e dar algumas orientações sobre apresentação de propostas, processos de defesas, questão de ordem, que não se fala ou debate durante período de votação etc. As pessoas perderam a noção de quase tudo.

Enfim, como vamos convencer a classe trabalhadora a ir para as ruas defender ideias abstratas como democracia, direitos trabalhistas e previdenciários, meio ambiente etc se não exercitarmos a participação presencial em uma assembleia ou congresso de trabalhadores para decidir a vida imediata deles como o emprego, o salário etc? É o mínimo para se preparar uma pessoa a participar de algo como ir para as ruas lutar contra um golpe militar ou golpe fascista chamá-la para ir a uma assembleia umas duas vezes ao ano!

FAZER OU NÃO FAZER ASSEMBLEIA PARA COMEÇAR UMA CAMPANHA SALARIAL?

Fecho esta Memória com uma evocação lá de 2005, quando eu estava em meu primeiro mandato eletivo como dirigente da classe trabalhadora.

Íamos começar os processos democráticos de organização das bases de trabalhadores bancários. As assembleias de base são os fóruns onde tudo começa. É assim há séculos... não é exagero. Essa prática democrática das assembleias vem de muito longe...

Na assembleia é onde as forças políticas se apresentam, onde se definem eixos de campanha e quem vai representar e liderar a categoria nos fóruns decisórios de uma campanha salarial. Já falei acima sobre os ritos democráticos numa assembleia presencial.

Em um certo momento interno em nosso sindicato, a direção procurou todas as forças políticas que atuavam na categoria em nossa base e em nome da unidade desenhou-se uma distribuição da delegação que participaria dos fóruns estaduais e no fórum nacional que definiria a pauta de reivindicações daquele ano.

Assim que eu entendi direito a proposta, questionei o método definido naquele fórum interno porque não haveria assembleia de base. Aleguei que definir as delegações assim, por distribuição de forças políticas sem a assembleia da categoria era uma opção que deseducaria a base e nós mesmos, dirigentes cutistas.

Aberta a polêmica, todas as pessoas da direção envolvidas naquela fase de decisões foram ouvidas e como não houve consenso progressivo porque eu não concordei, a reunião foi suspensa e remarcada para que cada participante fizesse suas consultas e se organizasse para a definição do método dias depois.

Bom, felizmente, fui feliz no meu questionamento democrático. Após idas e vindas, prevaleceu a decisão de se fazer assembleia de base para definir as questões centrais e as delegações para as etapas seguintes da campanha salarial daquele ano de 2005.

Foi algo muito parecido com aquele clássico filme "Doze homens e uma sentença". Nossa democracia interna baseada na paciência e na construção de política ouvindo a divergência, o consenso progressivo, evitou que iniciássemos em 2005 na maior base bancária do país, uma campanha sem assembleia inicial.

Tenho uma leitura do momento atual de que se isso acontecesse hoje, eu não seria ouvido, a opinião divergente sequer teria sido ouvida e a proposta inicial seria automática... campanha salarial sem assembleia de base...

Juro pra vocês que isso aconteceu em 2005. Foi um aprendizado para todos nós da direção do Sindicato. Fizemos uma ótima campanha salarial naquele ano.

William


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