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6.12.21

Memórias (XII)



Histórias sobre a PLR no Banco do Brasil: onde há remuneração variável, há disputa de classes, ou seja, o patrão vai jogar trabalhador(a) contra trabalhador(a)


Estou escrevendo um pouco a respeito das lutas do movimento sindical bancário, mais especificamente do período no qual fiz parte dele como dirigente e representante d@s trabalhadores: de 2002 a 2018. 

A minha fonte principal de consultas e fio condutor das memórias são as minhas postagens no blog A Categoria Bancária - e sites sindicais subsidiariamente - porque o blog se tornou uma ferramenta de trabalho na comunicação com a categoria e com as entidades e lideranças sindicais e vejo no blog uma fonte interessante de registros de uma época.

INTRODUÇÃO

Dia desses escrevi memórias sobre o mês de março de 2007 (ler aqui) e o tema mais destacado naquele mês foi o embate entre nós do movimento sindical e a direção do Banco do Brasil. Alguns caras da direção decidiram prejudicar os bancários e bancárias que participaram da greve da campanha nacional da categoria em 2006, momento em que definimos os acordos coletivos e a convenção da categoria.

São muitas as formas dos representantes do capital para prejudicarem a classe trabalhadora. Não falta imaginação na hora de pensar sacanagens para vender caro direitos conquistados na luta organizada. A cada campanha salarial, a cada data-base e greve dos anos dois mil, alguns dos negociadores da parte do BB, que representavam o governo do PT, tiravam da cartola uma proposta marota, que tinha algum tipo de casca de banana para atingir algum segmento do movimento.

ATENÇÃO: durante os governos Lula e Dilma, tivemos muita gente boa nas áreas de gestão de pessoas e negociações com entidades representativas. Os avanços nos direitos contaram com a contribuição de muita gente dentro dessas áreas. Mas, às vezes, tinha uns caras difíceis como, por exemplo, quando fui coordenador da Comissão de Empresa: tivemos dois diretores do banco que ficaram marcados por quererem ser mais realistas que o rei. O movimento sindical da época com certeza sabe quem são esses caras. Faz parte...

Digo isso por conhecimento prático e isso não quer dizer que eu não tenha noção clara de que é muito melhor negociar com governos progressistas e democráticos como foram os governos de Lula e Dilma, que apesar de terem sido governos de composição com forças conservadoras (a tal governabilidade), foram governos melhores para a classe trabalhadora que todos os outros na história do país, na minha opinião. 

Vai tentar negociar com o PSDB ou com esses governos de ultradireita e fascistas como os dois após o golpe de 2016 - Temer e Bolsonaro. Tenta negociar com essa gente!

Enfim, o tema agora é a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) no Banco do Brasil.

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PLR NOS BANCOS FEDERAIS, CONQUISTA DA UNIDADE

Como no blog tem muitos textos sobre a história da conquista da PLR no BB e bancos federais, não vou me alongar em detalhes (o essencial já será textão). Para ler alguns textos a respeito basta clicar aqui e ver as postagens do embate entre nós e o BB na 1ª quinzena de março de 2007. Em linhas gerais, é o seguinte a história da PLR:

CUT E FENABAN ACORDAM PLR EM 1995 - Os bancários brasileiros de bancos signatários da Convenção Coletiva negociada e assinada entre a Fenaban e a CNB/CUT conquistaram em 1995 a PLR com regras que garantiam a remuneração para todos os bancári@s, independente de qualquer questão pessoal como alguma ausência no semestre de referência, resultado na dependência de trabalho, não cumprimento de meta etc. O banco deu lucro, todos recebiam PLR baseada em valores mínimos estabelecidos no Acordo Coletivo de PLR. Recebiam essa remuneração variável trabalhadores de bancos privados e de bancos estaduais e regionais que assinavam com a CUT o acordo.

BANCOS FEDERAIS NÃO PAGARAM A PLR DA CATEGORIA ENTRE 1995 E 2002 - Os trabalhadores de bancos públicos federais não recebiam PLR acordada entre a CUT e a Fenaban porque o governo de plantão se aproveitava de diversos subterfúgios para não pagar a remuneração aos bancários. Ficaram sem PLR assinada com a CUT entre 1995 e 2002 bancári@s do BB, Caixa Federal, BNB, BASA, BNDES. Durante o governo FHC, o BB criou um programa provisório monstrengo para pagar uma grana para certos segmentos preferenciais definidos pela direção do banco. A base da pirâmide recebia alguns reais, uns trocados, e o topo da pirâmide recebia valores dezenas de vezes maiores. Por 9 semestres os bancários da base da pirâmide recebiam uns 200 reais ou pouco mais e a direção do banco recebia dezenas de milhares de reais. Milhares de funcionários da base não recebiam nada por motivos estapafúrdios: uma ausência, a agência foi assaltada e não teve resultado positivo etc.

SOMOS BANCÁRIOS, QUEREMOS OS DIREITOS DOS BANCÁRIOS - Já no final dos anos noventa, os congressos de trabalhadores dos bancos públicos federais debatiam a importância da unidade geral da categoria bancária. Com o início do governo Lula, vimos uma oportunidade de realizar esse objetivo antigo da categoria, uma mesa única e uma convenção coletiva que abrangesse trabalhadores de bancos públicos e privados. Deu trabalho, mas conseguimos a unidade.

Em 2003, BB e Caixa Federal são forçados a negociar com os trabalhadores alguma forma de PLR porque as greves daquele ano foram fortes e a saída exigiu o atendimento de questões específicas, além do cumprimento das conquistas da categoria assinadas com a Fenaban. No BB, foi a nossa 1ª PLR com regras gerais, sem excluir nenhum(a) bancário(a) por motivos esdrúxulos. 

(ALIÁS, o movimento sindical e o governo Lula CORRIGIRAM a injustiça feita aos bancários que não receberam aqueles valores de "PLR" provisória da era tucana. Negociamos com o governo Lula o pagamento retroativo para todos que não receberam a remuneração naqueles 9 semestres.)

PLR NO BB AVANÇA COM PAGTO LINEAR DE PARTE DO VALOR - Depois da conquista da PLR com regras gerais em 2003, veio a conquista do módulo de distribuição linear de parte do lucro, 4% no BB. Regra que a categoria vinha discutindo em seus fóruns para ampliar o valor da distribuição de lucros e resultados. 

Como se sabe, negociação pressupõe conciliar interesses de ambas as partes (com ou sem "pegadinhas" ou sacanagens). No BB, a direção queria contratar algum tipo de remuneração por resultados locais, para estimular o cumprimento de metas, óbvio, e premiar as funções do topo da pirâmide funcional. Em 2005, já contratávamos com o BB regras gerais de distribuição de PLR, definidas por nós no ACT, sem excluir ninguém, e o banco se utilizava dos benefícios da lei de PLR para o seu módulo bônus, com valores determinados por ele. Mesmo assim, nós negociávamos as linhas gerais, valores mínimos etc. Nosso foco sempre foi contratar benefícios para os trabalhadores em geral.

Antes, ainda em 2003, para o BB acordar conosco as regras gerais semelhantes à do Acordo Coletivo CNB/CUT e FENABAN (adaptadas ao BB) foi preciso autorização de órgãos do governo para que o BB distribuísse aos funcionários mais que 6,25% do resultado porque as regras gerais da PLR da categoria faziam com que os bancos federais gastassem mais que os grandes bancos privados (porque tinham mais funcionários, porque o lucro era diferente etc).

Amig@s leitores, essa descrição acima é um resumão feito de memória, pois vivi intensamente cada negociação de PLR entre 2003 e 2013, como uma das lideranças dos funcionários do BB. São tantas, mas tantas histórias a cada ano que iríamos longe aqui.

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A PLR DE 2006/2007 E A PRÁTICA ANTISSINDICAL POR PARTE DA DIREÇÃO DO BB: QUEBRA DA SOLIDARIEDADE E VITÓRIA DO INDIVIDUALISMO

As negociações sobre distribuição de lucros e resultados entre nós representantes dos trabalhadores e a direção do Banco do Brasil e dos banqueiros em geral sempre foram balizadas por algumas lógicas ou princípios gerais. 

Os representantes do capital querem puxar a sardinha pro lado de seus "capatazes", ideólogos do patronato e líderes na gestão dos modelos de remuneração e nós queremos regras sempre mais gerais, que beneficiem todos que produziram aqueles resultados astronômicos dos bancos, e se tiver que escolher segmentos da pirâmide por causa do valor que os bancos apartaram para distribuir (cobertor curto), vamos priorizar a base da pirâmide, porque ao longo do ano cada pessoa já recebeu uma remuneração de acordo com a função desempenhada na empresa. Isso em linhas gerais, logicamente.

Nos congressos de trabalhadores, via de regra, definimos propostas de PLR que simplifiquem a distribuição para todos como, por exemplo, "n" salários + valores em reais, sem definir tetos gastos pelos bancos. As regras contratadas no final das negociações são as possíveis, num movimento estica e puxa entre nós e os banqueiros. Quanto maiores os valores fixos em reais, melhor para a base da pirâmide. Se não estipular alguma regra em relação à quantidade de salários, o montante do programa pode favorecer o topo da pirâmide em relação à base.

A PLR do BB vinha sendo uma referência para a categoria desde que inovamos em mesclar uma parte linear (4%) + um valor fixo em reais + uma porcentagem da remuneração da função (45% do Valor de Referência, VR, sendo a ref. E6 para escriturários e caixas). Essas eram as regras gerais, que não excluíam nenhuma pessoa, como conquistamos em 2003, as bases da PLR da categoria. Ainda negociávamos um módulo baseado em resultados, o módulo bônus, mas todos estavam garantidos na regra geral.

SUBSTITUIÇÃO DE FUNÇÃO - Uma das práticas mais comuns no dia a dia dos 100 mil funcionários do BB era a substituição de função nos locais de trabalho. A prática era importante tanto para a empresa quanto para os trabalhadores. Ausências por férias, aposentadorias, licenças diversas, cursos de formação eram comuns nas dependências e as substituições de funções por outros trabalhadores tanto supriam as necessidades da empresa quanto eram oportunidades de treinamento para os bancári@s e uma remuneração maior no final do mês. 

O fato concreto é que boa parte dos funcionários substituíam, às vezes, o semestre inteiro em algumas funções como, por exemplo, caixas, assistentes, analistas, gerências médias e até gerências gerais. 

PRÁTICA ANTISSINDICAL - A direção do BB, para acordar o pagamento da 2ª parcela da PLR, relativa ao 2º semestre de 2006, decidiu usar o programa para tentar refrear o impulso de luta do funcionalismo que vinha num crescendo desde 2003 e nas negociações para fechar a parcela a ser paga em março de 2007 decidiu agir de forma antissindical e com assédio moral institucional. 

A direção do BB propôs pagar o valor da PLR SEM CONSIDERAR A SUBSTITUIÇÃO NO SEMESTRE INTEIRO por causa de alguns dias de greve da data-base da categoria, dias de greve que aliás eram compensados até data definida em acordo coletivo. Ou seja, nenhuma justificativa para prejudicar os substitutos.

Durante duas semanas de negociações com as entidades sindicais, os "colegas" da direção do BB, funcionários de carreira da empresa, não abriram mão de penalizar os substitutos que fizeram greve e apostaram que as maiorias aprovariam isso nas assembleias, pensando em si mesmas. A Contraf-CUT e as lideranças sindicais indicaram a rejeição da proposta para que pudéssemos reverter essa sacanagem por parte da direção do BB, mas a proposta foi aprovada.

Como disse acima, ao ler os registros no blog no mês de março, ler em ordem cronológica é melhor, é possível ver o embate que fizemos com a direção do banco e nossa postura nas assembleias defendendo a solidariedade entre os colegas e dizendo "não" ao individualismo.

Ao longo dos anos, foram várias as artimanhas da direção do BB para nos dividir, como se o BB fosse um banco privado, gerido pela banca. São as contradições do mundo capitalista.

O texto foi longo, deu trabalho para fazer, mas entendo que é importante resgatar a história de luta dessa categoria tão aguerrida e que tanto contribuiu para as conquistas da classe trabalhadora brasileira.

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Tenho outras histórias para contar e relembrar sobre PLR como, por exemplo, a PLR dos colegas do Banco do Brasil cedidos para trabalhar na nossa Caixa de Assistência, a CASSI. Quando cheguei lá na autogestão como diretor de saúde eleito pelos trabalhadores (2014), o programa de PLR dos bancários do BB era bancado pela associação em saúde e não pelo banco e fiz uma luta pesada para corrigir isso. A insistência me custou muito caro (dezenas de milhares de reais... rsrs), mas fiz o que tinha que ser feito por um princípio ideológico: nunca recebi um centavo de PLR da Cassi. A luta que empreendi gerou (e gera) uma economia de milhões de reais para a Cassi. Muita gente que estava lá na gestão sabe disso. Qualquer hora eu conto essa história pra vocês.

William


Para ler o texto seguinte, o Memórias (XIII), clique aqui.

E aqui para ler o texto anterior.


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