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16.4.22

Memórias (XXIII)



Aniversário de 99 anos do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e região. Uma entidade dos trabalhadores com muita história de lutas e conquistas. Uma entidade que nos traz muitas memórias. Parabéns às bancárias e bancários e a toda militância da ativa e aposentados! Vida longa ao nosso Sindicato!


Osasco, 16 de abril de 2022. Sábado.

Hoje é aniversário de 99 anos de nosso sindicato, que nasceu como uma associação de trabalhadores em 1923. De lá para cá foram muitas muitas histórias de lutas e conquistas. Vale lembrar também que muitas derrotas da classe trabalhadora fizeram parte dessa história, pois luta de classes é assim mesmo, se ganha e se perde. Quando se perde, a gente acumula forças e experiências para as batalhas seguintes.

Durante meu processo de formação política através do sindicato, aprendi com a militância mais antiga que na história das lutas de classes a gente que é da classe trabalhadora perde a maioria das batalhas empreendidas contra os donos do poder - capitalistas, banqueiros, coronéis, a casa-grande brasileira. Mas quando a gente ganha uma batalha é uma alegria imensa! É bom demais quando a gente, por exemplo, sai de uma campanha salarial com alguma conquista para os trabalhadores!

Minhas memórias em relação ao nosso sindicato são as mais diversas possíveis. São quase 35 anos de convivência entre o cidadão e a sua entidade sindical. Se fosse uma relação entre duas pessoas poderia ser dito que flertamos, ficamos, brigamos, lutamos juntos, namoramos, nos casamos, nos separamos, depois nos juntamos de novo e por aí vai. Três décadas não é qualquer coisa, é bastante tempo na vida humana e suas relações sociais, apesar de ser quase nada na história humana e das coisas do mundo.

Fiquei pensando em como escrever uma homenagem ao aniversário de nosso sindicato. Uma das formas que mais achei sentido foi aquela empreendida por Margo Glantz em seu livro de memórias Yo también me acuerdo (2014), que é um livro de memórias através de fragmentos de memória. Quando conheci o livro achei a técnica muito legal. Nessa estratégia de registros de lembranças de uma vida ou de uma época ou de alguma coisa, o fragmento basta em si mesmo. Sem ordem cronológica e ao sabor do que lhe vem à mente.

Antes de enumerar alguns fragmentos de memória em relação ao nosso sindicato, deixo registrado que o sindicato mudou a minha vida como pessoa ao longo de nossa relação como bancário sindicalizado e militante, tanto nos dois anos em que trabalhei no Unibanco quanto nos quase 27 anos em que trabalhei no Banco do Brasil. Me formei politicamente na convivência com o sindicato. Fui dirigente da entidade por 4 mandatos (2002-2014) e avalio que deixei minha contribuição ao fortalecimento da entidade ao longo de sua história de 99 anos.

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ME LEMBRO que havia definido uma estratégia de visitar as agências do BB nas quais quase ninguém havia aderido à greve e que eram agências importantes para puxar o movimento grevista se elas aderissem à paralisação. Era a campanha salarial de 2010, se não me engano. Nas reivindicações entregues à direção do banco, tínhamos questões específicas dos comissionados como a carreira de mérito e o não descomissionamento sem motivos definidos de forma clara. Cheguei à agência Osasco e pedi aos funcionários que nos reuníssemos no 2º andar para fazermos uma reunião. Minha relação com os colegas ali era muito boa e respeitosa. Durante a reunião, pedi que os colegas fossem francos comigo nas motivações para não aderirem à greve. Uma colega pediu a palavra e falou que tinha medo. Outros disseram o mesmo. Eu expliquei a ela, a todos, que o medo era uma coisa natural no ser humano. E também expliquei que a greve era justa, que o sindicato passou semanas reunido com os bancos para um acordo e os banqueiros não contribuíram para que a renovação da Convenção Coletiva na data-base ocorresse sem greve. E mais, que a greve era justa e era uma coisa pública. Então o medo era algo natural, legítimo, mas a nossa luta coletiva também era natural e legítima. A colega chorou. Outros colegas choraram. Eu comecei a chorar. Após essa emoção toda, os colegas fecharam o ponto e saímos todos da agência. Foi um momento muito marcante em minha vida, nas nossas vidas. A greve foi forte entre os comissionados do BB naquele ano e conquistamos questões específicas importantes.

ME LEMBRO que o pessoal só falava mal do sindicato. Estávamos reunidos na AABB e as pessoas se alternavam criticando isso ou aquilo. Eu era novo no Banco do Brasil e havia recebido um convite numa reunião sindical para participar de uma conversa sobre questões relativas ao BB. Estávamos nos anos noventa, ataques ao funcionalismo por parte do governo FHC a todo vapor. Ninguém falava mal do desgraçado do presidente nem de outros políticos do governo. Era só crítica ao sindicato, aos dirigentes do sindicato, o sindicato isso, o sindicato aquilo... eu comecei a me sentir constrangido com aquela situação. Tentei argumentar alguma coisa. Fui interrompido ao tentar defender o sindicato. Acabei me despedindo do pessoal e fui logo embora. Tempos depois é que fui compreender que aquele era um grupo de oposição à diretoria do sindicato e que o foco deles sempre me pareceu mais atacar o sindicato do que os patrões ou o governo. Acho que isso nunca mudou.

ME LEMBRO de um dia que entrei na sede do sindicato no edifício Martinelli e tudo me marcou naquele momento. Não sei por que esse dia marcou tanto, já que havia estado lá várias vezes. O que me lembro é que eu olhava as imagens e fotos nas paredes, nos corredores, nas mesas das pessoas, imagens do MST, da CUT, de sindicalistas como Lula, bandeiras do movimento social, sindical, estudantil, havia uma aura naquele dia e eu nunca mais esqueci. Talvez porque eu tenha entrado em áreas que nunca havia estado, áreas internas do sindicato. Se não me engano, acho que foi na primeira vez que entrei na sede do sindicato depois de eleito como diretor da entidade após as eleições de abril de 2002. Eu só fui liberado do dia a dia do banco para atividades sindicais em agosto daquele ano. Aquele encantamento que senti ao entrar no sindicato naquele dia marcante teve muita relação com o sindicalista que fui a partir daquele ano. Eu senti o peso do mundo em minhas mãos, em meus ombros, senti uma responsabilidade do tamanho do universo por ter me tornado diretor de nosso sindicato, de uma entidade tão histórica como aquela, por onde já havia passado tantas lideranças históricas, um dos maiores e mais importantes sindicatos da história de lutas dos bancários e da classe trabalhadora brasileira. Sabia que o mínimo que teria que fazer desde aquele momento era pôr toda a minha energia e minha vontade de lutar e minha inteligência a serviço dos trabalhadores e do sindicato e das lutas coletivas.

ME LEMBRO do Ferreira. O colega sempre me dizia que não gostava do sindicato, não gostava da gente, não gostava da esquerda, de sindicalista, do movimento. Era aquele típico trabalhador que não queria saber de conversa conosco. Na época, eu atuava na regional Oeste do sindicato. O pessoal da regional às vezes me achava meio xiita, exagerado demais. Eu saía com a Folha Bancária ou algum material específico do BB logo cedo, umas 9 horas da manhã, e ficava na base até umas 17 ou 18 horas. Começava com uma reunião antes da agência abrir e ficava em outra agência após o horário do fechamento do banco. O Ferreira não gostava sequer de pegar o jornal. Fui insistindo com ele durante o tempo de nossa convivência na regional. Ele me explicou os motivos dele. Eu pedi a ele uma chance pro sindicato. De pouquinho, fui quebrando o gelo dele. Passou a pegar a Folha, a revista O Espelho, passou a perguntar questões políticas etc. Sindicalizar nem pensar, ele dizia. Me disse que se um dia achasse que o sindicato estivesse atuando de uma forma satisfatória na visão dele, ele poderia repensar a recusa de se filiar à nossa entidade. Eu acabei indo atuar em outra regional, e depois o Ferreira também mudou de agência. Um tempo depois, encontro o Ferreira em uma dependência da regional Osasco. Foi um reencontro muito legal. Nos abraçamos, conversamos. E o colega me pediu a ficha de sindicalização e disse que estava convencido sobre a seriedade de nosso trabalho. É uma lembrança de encher os olhos d'água... Toda a nossa vida sindical teve momentos como esse... aliás, eu fui um bom sindicalizador desde quando era bancário do Unibanco. Cheguei a ganhar brindes do sindicato por fazer muita sindicalização.

ME LEMBRO que as conversas e debates com a companheirada dos sindicatos do Nordeste não eram simples, eram fraternas, mas era necessário desenvolver argumentos muito sólidos para convencer meus pares que a tese da unidade tinha sentido e que seria benéfica para todos nós, de bancos públicos e privados, do Sudeste e Sul e também do Norte, Nordeste e Centro Oeste. A história da campanha unificada dos bancários, da Convenção Coletiva nacional e da unidade da categoria é uma história muito bonita, muito debatida e exitosa a cada avanço que teve ao longo do tempo. Os receios e as opiniões diferentes na construção da campanha unificada eram mais que naturais. O Sudeste tinha uma maioria de bancários de bancos privados, e a maior parte do país tinha uma maioria de bancários de bancos públicos. No início da década dos anos dois mil, após os anos terríveis dos governos neoliberais dos anos noventa, os bancos públicos estavam sem reajuste há muitos anos, até sem acordos coletivos assinados, pois os governos não negociavam. Já na mesa de negociações entre os grandes bancos privados e sindicatos da Central Única dos Trabalhadores (CUT) havíamos conseguido assinar a 1ª e única convenção coletiva com abrangência para diversos bancos e regiões do país, a CCT da CNB/CUT. Algo muito inovador desde 1992. Muitos sindicalistas entendiam que ao termos Lula na presidência, aquele era o momento dos bancos públicos recuperarem o atraso e seguirem lutando sozinhos em mesas separadas. Outros, como eu, achavam que lutar isolados nos exporia a ataques liberais e desinformações como já ocorria no passado. O debate foi longo e legítimo. Eu tinha plena convicção que a melhor estratégia para nós do BB e dos demais bancos públicos era a unidade na mesa única da categoria, ficando para acordos aditivos o que fosse específico do banco. Quando eu fazia os longos debates com nossos companheiros do Nordeste, pois sempre tive muita afinidade com a companheirada de lá, o pessoal brincava que eu representava o "império" por causa do tamanho da representação de São Paulo. Nesse debate respeitoso nós fomos avançando até chegarmos à campanha unificada e até o BB e demais bancos federais assinarem a Convenção Coletiva da CUT a partir de 2006. Boas lembranças!

ME LEMBRO daquela assembleia decisiva do Banco do Brasil em 2003. Era uma quinta-feira. Era a primeira campanha salarial sob o governo do PT. Era minha primeira campanha salarial como dirigente sindical liberado e com atuação na base. Não vou me alongar na descrição da memória. O governo e a Comissão de Empresa dos Funcionários chegaram a uma proposta durante o final de semana e teríamos assembleia dos funcionários do BB na quadra dos bancários na segunda-feira. A proposta foi rejeitada e nós começamos a greve na terça. Entre terça, quarta e quinta, os colegas do BB viveram uma espécie de catarse, um adeus anos FHC. Na campanha daquele ano, nossa prioridade nos públicos era que o governo respeitasse ao menos as conquistas e direitos acordados na mesa entre a CNB/CUT e a Fenaban. Coisa básica! Era a nossa tese da campanha unificada já em semente plantada. Não teve acordo com a direção do banco. Com o crescimento exponencial da greve naqueles 3 dias, o preço para sair da greve era muito maior àquela altura. Eu era muito basista, conhecia as lideranças da base em São Paulo, Osasco e região. O pessoal queria a revolução naquele momento de greve forte. A recompensa pela boa mobilização veio. A nova proposta, além de cumprir o índice acordado na mesa geral da categoria, trazia questões específicas muito importantes para os funcionários do BB. Teríamos a 1ª PLR com base nas regras da PLR da categoria, que era de 1995 e nós nunca havíamos recebido. Foi necessário obter autorização especial dos órgãos do governo porque como S.A. o BB não poderia gastar mais que 6,25% do Lucro Líquido e aplicar a regra da categoria num banco com a quantidade de bancários que tínhamos dava mais de 10% do Lucro Líquido; a proposta ainda tinha direitos novos importantes como 5 dias de abonos para os pós-1998 e a volta ao direito de eleger delegados sindicais com estabilidade. Os vales refeição e alimentação também foram igualados aos da CCT da categoria (eram menores no BB). Enfim, uma boa proposta para aquela boa greve. Na assembleia na quinta à noite na quadra dos bancários, o pessoal estava dividido, uma parte estava super feliz pela proposta e queria o fim da greve, outra parte achava a proposta ruim e queria mais, muito mais. Os companheiros mais experientes me disseram que aquele era o momento de me tornar um dirigente sindical, pois a gente tem que saber entrar e sair de uma greve e uma greve não pode tudo. Havia o risco real de perdermos as conquistas caso a proposta fosse rejeitada e a greve continuasse. Fui um dos defensores da proposta perante a massa de trabalhadores. Me lembro que tive que ser muito firme nas minhas palavras e explicações sobre a importância de aceitarmos aquela proposta arrancada na luta. Alguns militantes próximos gritavam e estavam muito bravos com a minha defesa... Final das defesas... regime de votação... proposta aceita e fim da greve. Terminada a assembleia, encostei na parede atrás do palco da quadra, agachei, me sentei, e chorei... foi um grande dia na minha formação de dirigente sindical.

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Eu poderia ficar horas relembrando fragmentos de uma vida relacionada a momentos vividos na história de nosso sindicato. Mas por hoje está bom.

Mais uma vez, parabéns aos bancários e bancárias de nossa base, associados e ainda não associados, da ativa e aposentados. Parabéns ao nosso sindicato, à direção e aos funcionários e apoiadores que constroem diariamente a nossa história de lutas.

William

Associado 351524, desde 08/02/93. 

(antes, fui associado pelo Unibanco entre 1988 e 1990)


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