Dilemas ainda atormentam minha consciência política e dificultam minha busca por sentidos e significações
Osasco, 15 de maio de 2024. Quarta-feira.
Antes de começar esta reflexão, registro minha solidariedade e apoio ao povo irmão do Rio Grande do Sul, que enfrenta uma das maiores tragédias da história de nosso país. Contem conosco para recomeçar a vida, o povo brasileiro está com vocês.
À medida em que percebo que minha saúde e minha energia já não são as mesmas que antes, me pego com os mesmos dilemas que me atormentaram pelas décadas de vida adulta jovem. Como utilizar meu tempo de vida? O que fazer?
Na primeira e segunda década de vida como adolescente e adulto queria estudar e me tornar uma pessoa culta, queria sair da condição de incerteza no presente e no amanhã como membro da classe trabalhadora brasileira, subproletário que vivia de trabalhos precários e às vezes humilhantes. Não podia estudar como gostaria pelo esgotamento físico e mental. E ainda vivi meus tempos de fúria e revolta.
Como trabalhador de empresa pública, virei representante eleito pelos colegas e por quase duas décadas exerci mandatos eletivos. Pelo meu comprometimento com as causas que defendia e pelas lutas que muitas vezes liderava, coloquei cem por cento de meu tempo e energia para tentar fazer o melhor que pudesse no papel de representação de meus pares. Por saber que era uma liderança mediana, tinha que me dedicar ao máximo para fazer justiça à confiança que depositavam em mim.
Após os cinquenta anos de idade, com o fim dos mandatos representativos, com um certo trauma pelo processo de perseguição e assédio moral que enfrentei de meus adversários políticos na empresa e no governo golpista e com a saída do dia a dia da vida laboral do banco público onde dediquei o melhor de minha capacidade produtiva, entrei em um novo ciclo de existência no qual a pessoa pode ter dificuldades para se adaptar. O que fazer dali adiante?
Ao mesmo tempo em que queria seguir na militância política na qual dediquei o melhor de mim, queria também aproveitar um hipotético tempo livre que nunca tive para estudar um pouco mais do que antes. Foram cinco anos de dilemas, que não foram diferentes de uma vida de escolhas difíceis. Achei que seguiria sendo "útil" para o movimento sindical por ter acumulado conhecimentos em algumas áreas e temas políticos e por ter construído uma história de representação que diria aguerrida, decente e honesta. As coisas não se deram assim. E isso é de certa forma normal.
Enfim, volto às questões iniciais. Como utilizar o tempo de vida que tenho? Tudo mudou drasticamente na vida humana, nas instituições da sociedade e no planeta Terra.
As pessoas mudaram e as relações humanas mudaram. Nossos comportamentos foram alterados por meios poderosos de comunicação que fazem parte de nossa vida sem a percepção das pessoas. As pessoas ao nosso redor são outras pessoas, tenho noção disso hoje e sei que qualquer contato com conhecidos é meio que novo contato, contato com nova pessoa, até se forem familiares e amigos. E os laços já não serão os mesmos que nós construíamos no passado humano. Amor, amizade, companheirismo são possíveis, imagino, mas são diferentes. Temos que refazer essas dimensões dos sentimentos humanos. Tudo é de fácil ruptura, cancelamento.
Nos últimos cinco anos, tentei manter uma militância política meio que anônima, nas ruas quando os movimentos convocavam, em reuniões organizativas quando convidado, escrevendo sobre o que sei do tempo de representação política e sindical, uma militância do tipo mais um na multidão, numa panfletagem, numa passeata, numa organização para algo coletivo. Sem protagonismo, sem liderar nada, sem mandato. O problema é que me falta algo. Talvez pertencimento como senti no passado. No partido e na região na qual milito, não posso votar nas pessoas que gostaria porque minha seção eleitoral é outra. No mundo sindical, meus conhecimentos não serviram para mais nada. É compreensível, até porque tenho divergências propositivas e hoje isso é um pecado mortal na esquerda.
E os dilemas seguem. O que fazer hoje, amanhã, daqui adiante? Que saúde e energia terei para fazer algo? O que o meu corpo me reserva? Pelo que ando sentindo, imagino que meu corpo sentiu o viver dez anos a mil durante nossos mandatos de representação. O último mandato, especificamente, passei ele sem dormir, ligado na tomada para dar conta de ser técnico e político ao mesmo tempo, para ser tudo o que fui ao mesmo tempo para proteger os direitos em saúde da categoria que representava, para organizar um movimento nacional para responsabilizar o patrão também pelo déficit da caixa de assistência, para viajar o país e politizar as representações sobre o que era a autogestão e seu modelo que poucos conheciam com profundidade. Foram anos intensos. E no final, para que eu não seguisse no enfrentamento, montaram um lawfare para me abater.
Isso é passado, e aprendi que o passado não nos pertence. Hoje, questiono até aquelas frases de autoajuda que as pessoas falam a si mesmas, do tipo "ninguém vai apagar o que fizemos..." ou coisas parecidas. Apagam sim! Nada mais reflexivo do que o conceito do livro distópico de Orwell: "Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado."
Meu dilema segue. Imagino que me falte atitude para definir minha própria vida. Estudar, ler e escrever ou não, participar de ações políticas ou não, planejar algo de curto, médio e longo prazo para o viver ou não.
Reflexão feita.
William Mendes
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