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6.3.24

Diário e reflexões



Esquecer o passado ou falar sobre o passado? Até quando a esquerda vai seguir se dividindo e cancelando quem pensa diferente?

Osasco, 6 de março de 2024. Quarta-feira.


INTRODUÇÃO

Durante muitos anos este blog de política sindical foi base de prestação de contas de mandatos eletivos e de apresentação de ideias, reflexões e proposições do mundo do trabalho. Como exerci mandatos nas áreas de comunicação e de formação política, o blog era uma ferramenta de formação, informação e história, como se observa no mural da página inicial.

Durante alguns períodos da vida nacional, da categoria bancária e até da vida pessoal o blog foi uma ferramenta essencial em minha vida. Após as mudanças ocorridas no país com as manifestações de junho de 2013, depois com o golpe de Estado em 2016 e durante os governos de extrema-direita de Temer e Bolsonaro, muitas vezes compartilhei o que pensava em relação à política aqui neste espaço, até 2018 como um representante da classe trabalhadora, e depois como um cidadão politizado.

Mais recentemente, o blog acabou sendo um espaço onde escrevi um livro de memórias das lutas sindicais, foram 39 capítulos escritos em mais ou menos dois anos. Os textos tiveram uma leitura que me impressionou, mais de 80 mil acessos. Fiquei contente ao perceber que ainda temos leitoras e leitores. Às vezes, me preocupa a ideia da diminuição dos leitores na sociedade atual.

No blog Refeitório Cultural, meu blog de cultura, tenho uma categoria de textos que chamo de "Diário e reflexões", é uma categoria antiga, quase da idade do blog. Nela, cabe de tudo, pois é escrita ao sabor do instante do escritor. No entanto, ficaria um pouco deslocado no blog de cultura uma série de textos mais vinculados com este blog do mundo sindical e do trabalho. Por isso, pensei em criar aqui também, uma categoria de "Diário e reflexões". Eu não estou mais no movimento, nem tenho mandato eletivo. Mas não esqueci tudo que aprendi ao longo de uma vida de militância política.

SOLIDARIEDADE E UNIDADE

Aliás, é sobre isso que talvez eu fale na categoria "Diário e reflexões" deste blog A Categoria Bancária. Ao longo de três décadas de vida política e sindical, sempre aprendi princípios basilares no campo da esquerda organizada. A solidariedade era uma das nossas premissas do movimento de lutas da classe trabalhadora. Outra coisa que me lembro muito dos ensinamentos a partir da militância mais experiente era nunca deixar um companheiro/a para trás. Me lembro até dos discursos que fazia nas reuniões de base quando dizia que militante não se acha em qualquer esquina, então é necessário valorizar e respeitar os militantes de esquerda, independente de suas preferências partidárias ou tendências sindicais.

DEVEMOS ACEITAR CALADOS OS CANCELAMENTOS NO CAMPO DA ESQUERDA?

À medida que as coisas foram mudando na política brasileira com a ascensão das forças conservadoras a partir de 2013 e as forças progressistas passaram a ter que dividir os espaços públicos com um grupamento de gente que não estávamos acostumados a ver nas ruas e espaços comuns, me parece que se acelerou o processo de criação de bolhas de grupos de ideias homogêneas inclusive no campo das esquerdas. Como havia risco de perda de espaço e poder, a esquerda embarcou na mesma lógica de exclusão das opiniões divergentes das pessoas que eram do mesmo espectro político. Divergiu de um(a) líder, tchau!

O mundo é complexo, a sociedade humana é complexa, e não se tem explicação simplória para coisas complexas. As forças de direita atuam bastante através da estratégia de reduções rasteiras e simplórias das coisas. É muito mais fácil manipular pessoas com explicações simplórias e falsas em contextos de crise e em momentos de busca de explicações para insatisfações pessoais e coletivas do que buscar as explicações das dificuldades da vida humana na realidade material, na histórica luta de classes, nas causas e consequências da exploração de maiorias por minorias privilegiadas.

Na última década de militância e mandatos de representação, fui vendo rachas e divisões absurdas no seio de nosso campo político e na esquerda de uma forma geral. A começar pelos rachas em diretorias de sindicatos, federações, confederações e até das centrais sindicais. Como nada é simples, os rachas sempre tiveram uma gama de motivações aparentes. Personalismo, ideias divergentes mesmo, ausência de risco de perda do poder para o verdadeiro inimigo, os capitalistas e donos do poder real, e uma motivação horrível em especial: intolerância! Enfim, motivações variadas levaram a esquerda a um período de grandes divisões que só favoreceram o nosso inimigo de classe.

Durante décadas, a classe trabalhadora construiu grandes frentes de lutas em prol de agendas comuns que eram colocadas como prioridade em relação a agendas corporativas em momentos duros da vida nacional e da maioria do povo, aquela maioria que não pertence ao pequeno universo dos abastados e privilegiados.

ATÉ QUANDO AS ESQUERDAS VÃO SE DIVIDIR?

Hoje, estamos no início do segundo ano do terceiro mandato do presidente Lula, às vésperas de um enfrentamento com os campos conservadores, reacionários e de extrema-direita como nunca vimos antes, uma ordem mundial organizada, e o que eu vejo é o nosso lado dividido até mesmo em eleições corporativas como a da Cassi, autogestão dos funcionários do Banco do Brasil. Duas chapas do nosso campo e uma chapa do inimigo. É impressionante! É um verdadeiro absurdo porque se mostra claramente que a esquerda não aprende nada com a história, nada! Qual o sentido em bases com públicos polarizados 50/50 termos duas chapas de esquerda e uma de direita?

Enfim... Devemos falar sobre o passado, entendê-lo, interpretá-lo ou devemos fazer de conta que o passado não existiu?

Deixar o passado para trás, sem tratá-lo como se deveria é o que vigora no Brasil há séculos. A extrema-direita e os donos do poder estão mais uma vez convencendo o nosso lado a fazer os devidos acordos para se deixar quieto o passado e começar do zero as coisas (falo dos militares golpistas).

No nosso campo, que deveria ser baseado na unidade e na solidariedade de classe, vigoram os cancelamentos e apagamentos de qualquer militância que alguém em algum lugar julgar ter sido contestado ou contrariado em algum momento da história da vida toda. Uma coisa absolutamente improdutiva e desagregadora no parco campo da esquerda, muito menor que o restante da sociedade humana.

Talvez eu tenha paciência para escrever um pouco sobre isso aqui neste blog de política, blog que já me salvou a vida num momento de lawfare por parte das forças conservadoras que montaram um desses processos mequetrefes de assassinato de histórias de vida e de aniquilamento de lideranças da classe trabalhadora. O blog me salvou pela forma como eu exercia nossos mandatos publicizando tudo que fazíamos.

O que vem por aí é pavoroso em relação à classe trabalhadora mundial. O amanhã não será melhor que o presente, inclusive por causa da emergência climática. Sem unidade no campo da esquerda, seremos pouco combativos em qualquer frente de luta na qual estivermos empenhados.

Vamos continuar nos dividindo até quando? Até quando a esquerda vai repetir os erros do passado que nos levaram ao retrocesso do golpe de 2016 e ao bolsonarismo? Vamos seguir burocratizados e sem um processo estratégico de politizar a classe trabalhadora?

William Mendes


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