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7.6.22

Memórias (XXVII)


É a luta e a participação social que garantem direitos,
não órgãos de Justiça. Foto: C. Ribas, 25º CNFBB.

Decisão da Justiça não se discute, se cumpre? O c... Aprendi durante minha formação política que não se deve confiar cegamente na Justiça e muito menos substituir a luta e mobilização política por ações na Justiça, que é sempre de natureza conservadora e próxima às burguesias e aos donos do poder político


Pois é, lá vamos nós registrar mais um momento de memórias neste blog de militância política de um cidadão oriundo das lutas da categoria bancária. Vejamos alguns exemplos abaixo:

- Congresso bolsonarista aprova lei que autoriza bancos a tomarem imóvel único das famílias por dívida...

- Procuradores e juízes da operação Lava Jato prenderam pessoas sem condenação, sem o devido processo legal e em desrespeito à Constituição e à presunção de inocência, visando benefícios pessoais e políticos...

- É comum vermos notícias de juízes que mantêm presos mães e pais de família que roubaram algum tipo de comida em algum supermercado...

- A propriedade de seres humanos já foi lei no Brasil...

- A Justiça permitiu em dissídios coletivos que o Banco do Brasil retirasse direitos coletivos durante os governos FHC/PSDB prejudicando dezenas de milhares de trabalhadores e suas famílias...


Entrei na categoria bancária em 1988 como escriturário do Unibanco e lá onde trabalhava, no Centro Administrativo da Raposo Tavares (CAU), conheci o pessoal do movimento sindical. Uma de minhas referências à época era o funcionário político do nosso sindicato, o Marcos Martins, que depois viria a ser um grande político de Osasco - 5 vezes vereador e 3 vezes deputado estadual pelo PT. Passei dois anos na categoria, fiz greve e ajudei a organizar meus colegas no local de trabalho e saí em 1990.

Em 1992, eu era estagiário na agência do Ceagesp do Banco do Brasil, pois havia começado a fazer faculdade de Ciências Contábeis no ano anterior. Quando passei no concurso do BB em 1991 eu não era estagiário ainda, mas o concurso foi cancelado por fraude e na segunda vez que fiz as provas eu já estagiava no banco. Tive que passar duas vezes no concurso para virar bancário do maior banco público do país. Me despedi dos colegas do Ceagesp como estagiário no dia 8/9 e tomei posse na ag. Rua Clélia no BB no dia 9/9/92.

Minha formação política teve muita influência das lideranças do movimento sindical e dos colegas do Banco do Brasil. Ou seja, me formei politicamente no ambiente de trabalho, onde se dão as disputas entre capital e trabalho, entre o patrão e seus capatazes versus nós da base da pirâmide, o "chão de fábrica" ou das agências e dependências do banco. O ambiente de trabalho no BB era muito politizado, de verdade, as pessoas tinham um engajamento impressionante e política era o ar que respirávamos na época.

Entre 1988 e 1990, no Unibanco, já entendia que, em geral, a Justiça do Trabalho e as outras instâncias da Justiça só existiam pra ferrar com a gente, dizer que nossas greves eram ilegais e fazer julgamentos de dissídio coletivo favorecendo os banqueiros. Depois que entrei no Banco do Brasil então, puta merda!, aí é que ficou claro como a Justiça é patronal e só prejudica as categorias profissionais organizadas e que fazem luta de verdade como no caso dos bancários, metalúrgicos, professores e outras categorias. Claro que há exceções na Justiça, existem pessoas progressistas, mas elas são exceção no sistema!

Quando era estagiário do BB em 1992, só ouvia dizer do quanto a Justiça prejudicou os funcionários na greve de 1991, derrotando a categoria e favorecendo o Banco e o governo. Foi nessa época que comecei a ouvir falar de uma confederação pelega que mesmo sem ter base social importante - os maiores sindicatos - e sem organizar as lutas nos bancos era a entidade que era ouvida nos litígios de campanha salarial dos bancos federais... era um horror! Os bancários declaravam greve, iam pra luta e a tal confederação se unia ao patronato e melavam as lutas na justiça.

Aí veio a eleição de FHC (PSDB/DEM) em 1994 e a tragédia começou para nós bancários de bancos públicos. Os tucanos acabaram com a maioria dos bancos públicos estaduais e regionais e os federais passaram por processos terríveis de desmonte com o fim de serem privatizados. Congelamentos salariais, eliminação de direitos coletivos históricos, redução de postos de trabalho e programas de demissão etc. Foram tempos difíceis. Nunca me esquecerei das dezenas de suicídios de colegas bancários. Nunca!

E a Justiça, que papel teve nesse período terrível na história da categoria bancária e dos trabalhadores de empresas públicas? Meu aprendizado foi na prática, vendo a atuação da Justiça nos julgamentos de dissídio coletivo sempre a favor do governo e dos bancos e contra dezenas de milhares de trabalhadores. Até direitos que eram considerados direitos adquiridos foram eliminados nos anos noventa.

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TRABALHADORES NÃO DEVEM DELEGAR SEUS DESTINOS À JUSTIÇA BURGUESA

Tive dois momentos como trabalhador bancário ao longo da vida laboral: entre 1988 e meados de 2002 fui um bancário sindicalizado da base social do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região. Depois, na mesma base, tive a oportunidade que mudou a minha vida e minha visão política das coisas: me tornei dirigente sindical, eleito pelos colegas em 2002, e exerci mandatos de representação até maio de 2018. E o que aprendi em relação às lutas de classe? Aprendi que os trabalhadores devem se organizar e construir mobilização para lutar por seus direitos e nunca devem delegar o resultado de suas lutas a instância alguma da Justiça, nunca!

Além de aprender na prática como atua a Justiça contra as grandes categorias organizadas e mobilizadas, estudei a história de nossas lutas no Brasil, e também a criação da CUT e seus objetivos, a questão da CLT e a estrutura sindical brasileira, a estrutura da Justiça do trabalho, o imposto sindical etc. Depois criamos a nossa Confederação, a Contraf-CUT (em 2006), para interromper as sacanagens que a confederação pelega fazia conosco ao longo da história (principalmente após a ditadura militar de 1964 em diante). É uma longa história e seria difícil discorrer um pouco em uma só postagem.

Por que estou abordando a questão da Justiça, confiar ou não na Justiça, jogar todas as fichas em decisões judiciais etc? Por causa do momento político que estamos vivendo no Brasil pós golpe de Estado em 2016. Tudo ficou muito louco, sem sentido e ficamos sem chão, passamos a ver coisas inimagináveis após a ruptura democrática, golpe que nos trouxe ao inferno que vivemos no Brasil atual (golpe "com o Supremo com tudo" como disse um senador à época).

Enfim, acho que vou parar por aqui este texto de memórias, pode ser que eu faça outro texto falando um pouco dos aprendizados e os motivos pelos quais não devemos confiar na Justiça. Ilustrei no início a questão com alguns exemplos recentes de decisões com força de lei contrárias à maioria do povo e em benefício de castas: a Lava Jato e a lei pra bancos tomarem imóveis de famílias são dois exemplos claros. 

Durante os 16 anos de atuação como dirigente sindical, e com a formação que tive no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região, sempre tive os dois pés atrás em relação a entrar com ações coletivas ou ações judiciais das mais variadas formas para defender direitos de nossa categoria. Todos que conviviam comigo sabiam disso.

Talvez em um próximo texto de memórias eu cite alguns casos prejudiciais para nós bancários que tiveram decisões judiciais favoráveis aos banqueiros e ao governo de plantão. Na categoria bancária aprendi que o movimento sindical sempre foi contrário à interferência da Justiça do Trabalho nas negociações coletivas, por entendermos que a negociação e contratação de direitos sempre foi a melhor solução para os conflitos entre capital e trabalho.

Tem um ditado popular que diz: "a gente nunca sabe o que vai sair da cabeça de um juiz e do cu de uma galinha".

Essa frase vale para a reflexão. Não se deve delegar nossa capacidade de nos organizarmos, definir objetivos e lutar por eles e ao final dos processos negociais contratar direitos e definir regras comuns de convivência: enfim, coisas da democracia.

Resumindo: decisões da Justiça ou da cabeça de algum juiz podem desagradar a uma das partes ou a ambas. O melhor é negociar e conciliar direitos e deveres em um ambiente democrático. Foi isso que aprendi em três décadas de convívio com uma das categorias mais organizadas do país, os bancários.

Não me lembro na história da luta de classes de nenhum direito - social, civil e político - que tenha vindo de uma canetada de algum sujeito das ditas castas "superiores" nas organizações sociais e aglomerações humanas. Entendo que as leis e os costumes existem em função de determinados contextos sociais no tempo e no espaço e o que define as leis e os direitos são as correlações de força estabelecidas nas disputas de grupos sociais.

É isso por enquanto.

William


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