Conversando com associados da Cassi MS (out/2016). |
Cassi e Cassems, exemplos de autogestão em saúde
Opinião
Nesta semana que passou conversei com um colega aposentado do Banco do Brasil a respeito de nossa Caixa de Assistência e da Caixa de Assistência dos Servidores do Estado do Mato Grosso do Sul. Ele está desenvolvendo um trabalho acadêmico que aborda questões sobre essas instituições de trabalhadores e como tive a oportunidade de ser gestor de nossa autogestão o colega avaliou que eu poderia compartilhar com ele algumas impressões e experiências que tive como gestor de saúde. Tivemos uma boa conversa.
Tenho boas lembranças a respeito dessas autogestões. As histórias dessas duas caixas de assistência à saúde são belíssimas, são exemplos de realização coletiva a partir do desejo do bem comum, são instituições que têm em sua raiz o desejo de solidariedade de classe.
CASSEMS
Da Cassems tenho informações essenciais, públicas, li o livro comemorativo dos 15 anos de existência da autogestão e estive em contato com a instituição durante o mandato eletivo que exerci de diretor de saúde da Cassi (2014/18). Tenho uma leitura geral sobre a Cassems em relação à estratégia que os associados adotaram para a Caixa de Assistência (operadora) se estabelecer no agressivo mercado de saúde privado brasileiro.
A palavra é essa mesma - "agressivo mercado" - porque ao se conhecer por dentro a forma como opera essa "indústria" fica claro o quanto pesa a questão do lucro e retorno financeiro nos objetivos dos vendedores de serviços de saúde. É uma grande indústria capitalista essa da saúde/doença como mercadoria.
Aliás, para vocês conhecerem a pujança da Cassems eu sugiro que vocês naveguem pelo site da autogestão. É de encher os olhos, lá vocês vão ver informações sobre os 10 (dez) hospitais próprios dos servidores do Estado. Conheço a história da aquisição e funcionamento de cada um deles porque li a respeito no livro comemorativo.
Os servidores sul-mato-grossenses enfrentam os abusos cometidos pelo mercado privado de saúde (valores abusivos nos preços da rede credenciada) de igual para igual ao terem estruturas próprias de saúde em todos os níveis.
CASSEMS: GESTÃO DO CUSTO SEM DEIXAR DE TER O SERVIÇO - Outra vantagem dessa estrutura verticalizada da Cassems é a gestão do custo da saúde. Uma coisa é comprar tudo fora como faz a Cassi, outra coisa é conhecer por dentro as operações dessa "indústria" que movimenta bilhões de reais por ano. Tendo estrutura própria, como faz o mercado privado que visa lucro, a Cassems pode direcionar boa parte de sua demanda por saúde para sua própria rede, ficando alguma coisa para ser feita em credenciados dos empresários-médicos do mercado.
Para vocês terem uma ideia, a Cassi chega a pagar mais de 1/2 bilhão de reais ao ano somente para 1 (um) prestador de serviços. Por não gerirmos estruturas de saúde de 2º e 3º graus, estruturas de procedimentos de alto custo, ficamos nas mãos dos médicos-capitalistas, cooperativas médicas por área profissional, médicos-empresários que faturam mais quanto mais procedimentos fazem em nossos participantes do sistema Cassi (fee for service), dentre outras desvantagens que o mercado oferece, como criar desejos que não são necessidades das pessoas e usar materiais que custam várias vezes mais que outros de mesma qualidade.
CASSI OPTA POR FICAR NA DEPENDÊNCIA DO MERCADO PARA TUDO - A Cassi do Brasil pós-golpe não quer ter estruturas próprias de saúde (por opção da direção porque tem recursos para isso). A direção da Cassi está se desfazendo até da estrutura baratíssima de atenção primária e medicina de família, e assim a forma para "gerir custos" acaba sendo reduzir a rede prestadora e tirar os fornecedores do mercado de saúde que cobram mais caro. Vejam o exemplo da rede do novo plano que a direção atual lançou no "mercado". Um plano chamado Cassi Essencial com menos direitos, coberturas, rede, e com coparticipação e taxa de internação.
(Cassi Essencial: o usuário acha que vai economizar em relação ao plano Cassi Família II, acha..., e vai perceber na hora que precisar que a coisa não é bem assim...)
A Cassems se estabeleceu de forma sólida em duas décadas de existência e hoje avança promovendo saúde e cuidando de uma população de quase 200 mil beneficiários. Eu continuo com a opinião que o modelo de verticalização da Cassems deveria ser estudado e implantado na autogestão da comunidade Banco do Brasil.
CASSI
A Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil foi criada em 1944 por colegas do banco e ao longo de décadas de existência foi incluindo novos participantes e avançando em direitos após lutas históricas do movimento sindical e associativo do quadro de trabalhadores desse banco público bicentenário.
Não vou aqui descrever a história da Cassi (fiz isso ao longo de centenas de postagens quando fui gestor eleito).
O importante é destacar que nas primeiras 5 décadas de existência (de 1944 a 1995) a Caixa de Assistência foi uma mera pagadora de serviços de saúde do mercado empresarial privado. Ela praticamente ressarcia as despesas de seus associados. Modelos assim tendem a ter sérios problemas de déficit porque a inflação médica e as novas tecnologias e demandas de saúde sempre vão impactar no valor da compra de serviços em relação à capacidade do plano de saúde em arrecadar recursos para fazer frente às despesas assistenciais - nem sempre necessárias ou adequadas à saúde dos assistidos.
A reforma estatutária de 1996 mudou a essência da Caixa de Assistência, que passou a fazer - ou deveria - a gestão da saúde de uma determinada população ao longo do tempo e definiu um modelo assistencial para cumprir esse objetivo de Atenção Integral à Saúde. O modelo escolhido foi um dos mais exitosos no mundo quando se avalia modelos assistenciais e sistemas de saúde: um modelo baseado na medicina de família e comunidade (MFC), muito adequado para o perfil da população de associados e familiares que o sistema Cassi continha.
Entre 1996 e 2001 foram feitos pilotos sobre o melhor modelo assistencial para se atingir o objetivo de Atenção Integral à Saúde, objetivo estatutário do sistema Cassi cuja essência e base é o Plano de Associados (e não planos de mercado x ou y).
A Cassi e os patrocinadores definiram que a instituição (operadora) passaria a cuidar de sua população assistida através de um modelo de medicina de família, a Estratégia de Saúde da Família (ESF), uma das formas de se fazer Atenção Primária em Saúde (APS). A base do modelo definido e aprovado pela Cassi era ter uma estrutura PRÓPRIA de CliniCassi com equipes de família PRÓPRIAS e programas de saúde adequados aos diversos grupos de risco e populacionais identificados e acompanhados pelas CliniCassi, que seriam coordenadas por unidades regionais, em todas as capitais do país.
O que interessa registrar nessa postagem de Memórias é que a experiência de gestão e os estudos dedicados à Cassi e à gestão de modelos de saúde me permitiu ter claro algumas questões a respeito do tema. Uma coisa é o custeio e outra é o modelo assistencial, por exemplo. Uma é como se arrecada os recursos da Caixa de Assistência, outra é como se utiliza os recursos arrecadados.
Como disse acima, a Caixa de Assistência sempre teve problemas de déficits em suas décadas de história e alguns motivos são claros como, por exemplo, os custos elevados e crescentes dos serviços comprados e a dificuldade de aumentar receitas para fazer frente às despesas assistenciais, em sua imensa maioria de procedimentos curativos e não preventivos.
CASSI COMPROVA EFICIÊNCIA DO MODELO APS/ESF/CLINICASSI - Estudos realizados na diretoria de saúde durante o nosso mandato comprovaram a eficiência do modelo de Estratégia Saúde da Família a partir da estrutura própria de atenção primária e gestão local do modelo, as CliniCassi com equipes de família e as unidades regionais da Cassi nos Estados e DF.
Nossas equipes técnicas desenvolveram metodologia própria inédita no mercado para demonstrar que populações cadastradas e vinculadas por um determinado tempo no sistema ESF/CliniCassi tinham custos assistenciais menores, menos internações, menos idas ao pronto socorro/atendimento, de acordo com determinados graus de complexidade e isso mesmo nas faixas etárias maiores.
Chegamos a demonstrar estudos onde o crescimento de despesas assistenciais de faixas etárias de 60 e 70 anos de populações cadastradas e vinculadas à ESF era menor que o crescimento de despesas assistenciais de não cadastrados nas primeiras faixas etárias, de 30 e 40 anos.
Demonstramos que mesmo dentro da curva A, grupo com os participantes de maior custo em um plano de saúde, as despesas assistenciais eram quase 15% menores nos vinculados à ESF em relação a não cadastrados. Estou falando de um grupo cujas despesas assistenciais chegam a um bilhão de reais, conforme o ano avaliado.
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Enfim, essas postagens cansam tanto quem escreve quanto os raros leitores que leem. A Cassi fez uma reforma estatutária para melhorar a questão do custeio em 2019 e teria tudo para avançar no modelo próprio de APS/ESF/CliniCassi e se tornar menos dependente do mercado como faz a Cassems.
Mas... a direção que passou a comandar a autogestão fez o inverso, passou a apostar todas as fichas no mercado privado, desfazendo algo que havia sido comprovado que era o que de melhor tinha na Cassi, seu modelo assistencial solidário, próprio e autônomo e que nos levaria a sermos menos dependentes do mercado consumidor de recursos dos planos.
Fim dessas Memórias e reflexões sobre autogestões em saúde, instituições associativas de trabalhadores.
William
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