"Quantos cegos serão precisos para fazer uma cegueira" (Ensaio sobre a cegueira, José Saramago)
Olá companheir@s, amig@s e colegas do Banco do Brasil,
Hoje volto ao tema da judicialização, da sustentabilidade dos planos de saúde da Cassi, principalmente o dos funcionários da ativa, aposentados e pensionistas - o Plano de Associados -, e da questão central do "sentimento de pertencimento" no que tange à característica necessária na relação entre qualquer associação e seus associados.
Eu só estou exercendo um mandato de gestor eleito por trabalhadores em entidade de saúde porque acredito na educação e na formação de pessoas cidadãs cientes de seus direitos e deveres. Se eu não acreditasse na formação política e intelectual de meus pares, eu jamais teria disponibilizado meu nome para concorrer a qualquer cargo de representação.
O que estamos fazendo há dois anos na Cassi é um grande esforço em dar informações e educar uma população que utiliza um sistema privado de saúde, organizado em autogestão, solidário e igualitário no atendimento aos seus participantes, e que sofre grandes impactos e influências do setor onde opera, o setor de saúde, que vive em meio a crises.
Eu trago nesta postagem (logo abaixo), matéria da grande imprensa que aborda o expressivo aumento da judicialização no setor de saúde pública e privada em nosso país. Eu fico lembrando das frases metafóricas e de profunda sabedoria constantes no livro de Saramago - Ensaio sobre a Cegueira.
Quando o cidadão lê a matéria abaixo, ele é induzido a retroalimentar o problema originário que a matéria está abordando. A judicialização aumenta no setor de saúde, mas a matéria diz que os usuários deveriam reclamar mais e reivindicar mais ainda (sempre na voz de um advogado), e a agência reguladora deveria tomar atitudes na defesa desses usuários, e assim por diante... e La nave va...
Aí a matéria mostra números comprovando o aumento nas demandas de judicialização. Os planos de saúde e o SUS claramente aparecem como os vilões... enfim, é interessante e trágica a auto-alimentação do modelo de aumentar a judicialização. Enquanto isso, os planos de saúde e o SUS vão caminhando para a falência e para o não atendimento dos cidadãos.
"Costuma-se até dizer que não há cegueiras, mas cegos, quando a experiência dos tempos não tem feito outra coisa que dizer-nos que não há cegos, mas cegueiras." (Saramago)
Que se passa?
Estamos tratando de Sistemas de Serviços de Saúde, de organização ou reorganização de sistemas de saúde. Estamos falando de modelos fragmentados e integrados: qual deles vamos estabelecer para cuidar de nossa população assistida? Qual deles tem melhores resultados em saúde e no uso dos recursos? É disto que estamos tratando desde que começamos nosso trabalho na Cassi.
Este que vos fala, o Diretor de Saúde e Rede de Atendimento da Cassi, uma associação dos funcionários do Banco do Brasil, a maior autogestão em saúde do país, está há dois anos levando para o conjunto da comunidade que assiste, mais de 700 mil participantes, explicações de como funcionam os sistemas de saúde, o modelo hegemônico em que estamos organizados no Brasil - o fragmentado -, centrado nos profissionais de saúde e hospitais, curativo e não inteligente e interligado, cheio de fraudes, desperdícios, abusos por parte de segmentos dos prestadores de saúde na estrutura da Saúde Complementar ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Ao mesmo tempo, estamos informando a toda a comunidade BB, inclusive ao próprio banco patrocinador, que indica a metade da gestão desta Caixa de Assistência, que a melhor perspectiva de sustentabilidade da entidade é ampliar e fortalecer o Modelo de Atenção Integral e Estratégia Saúde da Família (ESF), modelo que é baseado em Atenção Primária à Saúde (APS) e na promoção de saúde, prevenção de doenças, reabilitação e recuperação de seus participantes, com o acompanhamento e monitoramento dos assistidos com condições crônicas. E temos que superar "gargalos" do modelo e do sistema que ainda não foram superados.
A Cassi ainda não deixou de ser uma mera "pagadora" de serviços de saúde como já deveríamos ter nos reorganizado nesses 20 anos de reforma estatutária de 1996
Nos falta ter mais estrutura física e de recursos humanos, mais equipes de família porque temos 142 e já estamos na capacidade instalada (180 mil cadastrados no país), temos que ter investimentos em tecnologia, precisamos de ter Prontuário Eletrônico do Paciente (PEP) do conjunto dos assistidos (mais de 700 mil), temos que estabelecer um Plano de Cargos e Salários (PCS) para os funcionários da Cassi, porque o retrato que temos hoje é que treinamos e preparamos bons profissionais e eles vão embora para o mercado.
Como gestor da rede própria de atenção à saúde - as CliniCassi -, precisamos melhorar as unidades, mudar algumas de lugar, inaugurar outras. Enfim, falta investimento no Modelo Assistencial para atender a mais participantes na Cassi ao invés de serem atendidos na Rede Credenciada. Precisamos estabelecer as parcerias com prestadores estratégicos para orientar as demandas para uma rede referenciada à Cassi. Até para as questões básicas hoje, necessitamos de dinheiro e investimento; não há milagre, e não há como reter o crescimento absurdo das despesas assistenciais que chegam para a Cassi da rede prestadora, mais de 3 bilhões de reais.
Aliás, se não houver um pacto de gestão e normas adequadas que nos permitam gerir a área em que somos responsáveis, também não conseguiremos sequer definir as equipes de trabalho para nossos projetos.
Conseguiremos nesta discussão de sustentabilidade atual estabelecer o caminho para superar os gargalos estruturantes e avançar no modelo integrado?
E a grande questão que faço a mim mesmo e aos meus pares, lideranças e interlocutores nestas negociações que começamos em 2015 e estamos para concluir (espero) é se vamos poder avançar no modelo ou se vamos ficar pelo meio do caminho.
Na nossa opinião de gestor eleito da Cassi, se não pudermos fazer o que estamos apresentando como perspectivas de avanços nos próximos anos, a Cassi e qualquer outra autogestão, além de vários planos até do mercado, não conseguirão sobreviver com os problemas exponenciais que existem no crescimento desordenado das despesas assistenciais que os segmentos de Saúde Complementar repassam aos planos privados (Saúde Suplementar). A judicialização é um dos casos, fator pesado, mas tem outros. Temos explicado isso em nossos textos, boletins e palestras.
Tenho percorrido o Brasil, todas as bases sociais da Cassi e do BB para envolver gestores e representantes da comunidade no processo de melhor informação e educação em saúde e no conhecimento pleno do que é a Cassi, como ela funciona e qual a melhor forma de utilizá-la e, na nossa opinião, não é judicializando contra a Caixa de Assistência.
Não vou me alongar mais.
Abraços a tod@s os meus pares da classe trabalhadora, tão necessitada de assistência à saúde por viver num mundo de caos. E não sei se meus pares, nós todos, sairemos vitoriosos em nossas lutas, mas temos que manter o bom combate.
William Mendes
Diretor de Saúde e Rede de Atendimento (mandato 2014/18)
(matéria da imprensa)
Judicialização se mantém como gargalo no setor
Volume de processos contra o SUS ou contra os planos de saúde mostra que relação com clientes ainda está longe de ser tranquila.
Um levantamento feito pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo em março de 2014 mostrou que, na época, a Secretaria estava envolvida em mais de 39 mil demandas judiciais. Somente em 2013, essas demandas geraram um gasto de mais de R$ 900 milhões. No mesmo ano, um levantamento feito pelo Ipea Data mostrava que tinham sido abertas mais de 220 mil ações judiciais no Brasil, todas com o objetivo de obter medicamentos e dispositivos médicos.
Para o advogado especialista em questões de saúde, Vinícius Zwarg, sócio do Emerenciano, Baggio & amp; Associados, a quantidade de pessoas que se sentem desassistidas no Brasil continua muito grande. Ele comenta que um estudo realizado pelo escritório mostra que, entre 2014 e 2016, houve um crescimento de 25% nas reclamações em relação aos serviços de saúde prestados pelos 20 maiores planos de saúde do País.
O comparativo, feito com base nos registros do site Reclame Aqui, revela que foram 20.737 reclamações em 2014 e que, no primeiro semestre deste ano, o volume era de 13.038. Para Zwarg, o maior vilão aqui é a chamada negativa de atendimento. “A grande maioria das pessoas que vai ao Judiciário teve negativa de atendimento em situações dramáticas, após pagar 20 ou 30 anos de planos de saúde”, afirma.
E este número poderia ser ainda maior. O advogado lembra que muitas pessoas acham injusto demandar seus planos de saúde e outras ainda têm medo de represálias. “Elas não percebem que já estão vivendo uma represália”, diz, justificando a existência de uma grande demanda reprimida no mercado.
O mesmo ocorre contra o Sistema Único de Saúde (SUS), em que o maior problema é o acesso a medicamentos. “O estatuto do idoso obriga o Estado a fornecer medicamentos e, na prática, vemos que em muitos casos não há tratamento disponível. Há uma série de medicamentos caríssimos que só são conseguidos por meio de medidas judiciais”, comenta. Zwarg elogia o trabalho realizado pelos Procons, mas reconhece que esta não é a instância comumente procurada pelos consumidores.
“A grande verdade é que há um problema crônico de gestão, que se vê na regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Um exemplo é o fim dos planos individuais que obriga as pessoas a entrarem em planos coletivos por adesão em condições muito diferentes do que ela tinha no original”, diz. Por conta disso, ele acredita que os processos devem continuar aumentando.
Se de um lado existe a perspectiva de que as disputas entre pacientes e o SUS, ou os planos de saúde, aumentem, de outro a ANS vem trabalhando para tentar criar novos canais de entendimento entre as partes. A diretora de fiscalização do órgão, Simone Freire, explica que as demandas que chegam ao Judiciário se dividem entre regulatórias e não regulatórias.
As primeiras tratam de clientes que vão à Justiça pedir cobertura de algo que está de fato previsto no rol de procedimentos ou no contrato firmado com as operadoras de saúde. “São ações que tratam de serviços que deveriam ter sido entregues e, por algum motivo, não foram”, explica. No segundo grupo estão as ações que buscam serviços não previstos. “As ações não regulatórias estão crescendo bastante, não só na medicina privada, mas também contra o SUS”, alerta.
Não por acaso, somente em 2015 foram registradas mais de 100 mil reclamações regulatórias na ANS. Quando isso acontece, abre-se a oportunidade de a operadora responder ao cliente e, com isso, evitar a judicialização. Segundo Simone, o índice de soluções chega a 90% nesses casos. “Podemos dizer que 90 mil pessoas não chegam à Justiça por conta dos acordos firmados aqui”, avalia.
Além da intermediação eletrônica, a Agência vem desenvolvendo há alguns anos uma iniciativa de aproximação com os tribunais de Justiça, estabelecendo acordos de cooperação que façam chegar ao Judiciário o entendimento técnico das causas em julgamento. “A saúde é uma questão muito sensível para que juízes decidam sem apoio técnico”, afirma.
Como exemplo, ela lembra que, se um advogado diz que uma pessoa pode morrer se não receber determinado tratamento, o juiz não tem como julgar se aquilo é verdade ou não, e acaba concedendo. Um acordo firmado com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) agora garante suporte técnico a juízes de todo o País.
Para Simone, esse é um trabalho que deve começar a dar resultados em alguns anos. Ela explica que os acordos estão sendo firmados com bastante rapidez e, mais que isso, encontrado muito interesse por parte do Judiciário.
Do lado dos clientes, a Agência vem procurando aprimorar a relação entre pacientes e operadoras. Um exemplo foi a resolução normativa que busca qualificar o atendimento do paciente, o que significa que operadoras de grande porte são obrigadas a ter atendimento presencial, a fornecer protocolos de atendimento na hora do contato e, em caso de negativa de atendimento, devem fazê-lo por escrito e em linguagem clara. “As pessoas precisam de tratamento humanizado quando cuidam de doenças e também precisam buscar o entendimento com suas operadoras, depois conosco, deixando o Judiciário realmente para o litígio e questões de urgência”, conclui.
A grande maioria das pessoas que vai ao Judiciário teve negativa de atendimento em situações dramáticas após pagar 20 ou 30 anos de planos de saúde. (O Estado de São Paulo)
(matéria da imprensa)
Judicialização se mantém como gargalo no setor
Volume de processos contra o SUS ou contra os planos de saúde mostra que relação com clientes ainda está longe de ser tranquila.
Um levantamento feito pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo em março de 2014 mostrou que, na época, a Secretaria estava envolvida em mais de 39 mil demandas judiciais. Somente em 2013, essas demandas geraram um gasto de mais de R$ 900 milhões. No mesmo ano, um levantamento feito pelo Ipea Data mostrava que tinham sido abertas mais de 220 mil ações judiciais no Brasil, todas com o objetivo de obter medicamentos e dispositivos médicos.
Para o advogado especialista em questões de saúde, Vinícius Zwarg, sócio do Emerenciano, Baggio & amp; Associados, a quantidade de pessoas que se sentem desassistidas no Brasil continua muito grande. Ele comenta que um estudo realizado pelo escritório mostra que, entre 2014 e 2016, houve um crescimento de 25% nas reclamações em relação aos serviços de saúde prestados pelos 20 maiores planos de saúde do País.
O comparativo, feito com base nos registros do site Reclame Aqui, revela que foram 20.737 reclamações em 2014 e que, no primeiro semestre deste ano, o volume era de 13.038. Para Zwarg, o maior vilão aqui é a chamada negativa de atendimento. “A grande maioria das pessoas que vai ao Judiciário teve negativa de atendimento em situações dramáticas, após pagar 20 ou 30 anos de planos de saúde”, afirma.
E este número poderia ser ainda maior. O advogado lembra que muitas pessoas acham injusto demandar seus planos de saúde e outras ainda têm medo de represálias. “Elas não percebem que já estão vivendo uma represália”, diz, justificando a existência de uma grande demanda reprimida no mercado.
O mesmo ocorre contra o Sistema Único de Saúde (SUS), em que o maior problema é o acesso a medicamentos. “O estatuto do idoso obriga o Estado a fornecer medicamentos e, na prática, vemos que em muitos casos não há tratamento disponível. Há uma série de medicamentos caríssimos que só são conseguidos por meio de medidas judiciais”, comenta. Zwarg elogia o trabalho realizado pelos Procons, mas reconhece que esta não é a instância comumente procurada pelos consumidores.
“A grande verdade é que há um problema crônico de gestão, que se vê na regulação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Um exemplo é o fim dos planos individuais que obriga as pessoas a entrarem em planos coletivos por adesão em condições muito diferentes do que ela tinha no original”, diz. Por conta disso, ele acredita que os processos devem continuar aumentando.
Negociações
Se de um lado existe a perspectiva de que as disputas entre pacientes e o SUS, ou os planos de saúde, aumentem, de outro a ANS vem trabalhando para tentar criar novos canais de entendimento entre as partes. A diretora de fiscalização do órgão, Simone Freire, explica que as demandas que chegam ao Judiciário se dividem entre regulatórias e não regulatórias.
As primeiras tratam de clientes que vão à Justiça pedir cobertura de algo que está de fato previsto no rol de procedimentos ou no contrato firmado com as operadoras de saúde. “São ações que tratam de serviços que deveriam ter sido entregues e, por algum motivo, não foram”, explica. No segundo grupo estão as ações que buscam serviços não previstos. “As ações não regulatórias estão crescendo bastante, não só na medicina privada, mas também contra o SUS”, alerta.
Não por acaso, somente em 2015 foram registradas mais de 100 mil reclamações regulatórias na ANS. Quando isso acontece, abre-se a oportunidade de a operadora responder ao cliente e, com isso, evitar a judicialização. Segundo Simone, o índice de soluções chega a 90% nesses casos. “Podemos dizer que 90 mil pessoas não chegam à Justiça por conta dos acordos firmados aqui”, avalia.
Além da intermediação eletrônica, a Agência vem desenvolvendo há alguns anos uma iniciativa de aproximação com os tribunais de Justiça, estabelecendo acordos de cooperação que façam chegar ao Judiciário o entendimento técnico das causas em julgamento. “A saúde é uma questão muito sensível para que juízes decidam sem apoio técnico”, afirma.
Como exemplo, ela lembra que, se um advogado diz que uma pessoa pode morrer se não receber determinado tratamento, o juiz não tem como julgar se aquilo é verdade ou não, e acaba concedendo. Um acordo firmado com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) agora garante suporte técnico a juízes de todo o País.
Para Simone, esse é um trabalho que deve começar a dar resultados em alguns anos. Ela explica que os acordos estão sendo firmados com bastante rapidez e, mais que isso, encontrado muito interesse por parte do Judiciário.
Do lado dos clientes, a Agência vem procurando aprimorar a relação entre pacientes e operadoras. Um exemplo foi a resolução normativa que busca qualificar o atendimento do paciente, o que significa que operadoras de grande porte são obrigadas a ter atendimento presencial, a fornecer protocolos de atendimento na hora do contato e, em caso de negativa de atendimento, devem fazê-lo por escrito e em linguagem clara. “As pessoas precisam de tratamento humanizado quando cuidam de doenças e também precisam buscar o entendimento com suas operadoras, depois conosco, deixando o Judiciário realmente para o litígio e questões de urgência”, conclui.
A grande maioria das pessoas que vai ao Judiciário teve negativa de atendimento em situações dramáticas após pagar 20 ou 30 anos de planos de saúde. (O Estado de São Paulo)
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