Tive a oportunidade de conversar com as bancárias e bancários de Minas Gerais no encontro estadual realizado na semana passada, evento preparatório para o 32º Congresso Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil. Falamos a respeito de questões relativas à nossa Caixa de Assistência (Cassi).
Fiz um breve histórico de nossas conquistas com a criação da associação em 1944, hoje uma autogestão responsável pela saúde de quase 700 mil pessoas.
Após a síntese da apresentação, que contém opiniões minhas em relação à Cassi, deixei algumas questões e as respostas que dei a elas, afinal de contas num encontro com trabalhadores, a voz e a vez deles é o que mais importa.
Espero que as informações aqui possam incentivar os debates e estudos aos que lerem o resumo abaixo.
William Mendes
Ex-diretor de saúde da Cassi (2014/18)
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Apresentação feita para o Encontro estadual dos bancários e bancárias de Minas Gerais 2021
Cassi 2021 – Breve histórico da luta por direitos em saúde e ameaças existenciais para a autogestão
Temas relevantes para reflexões e debates no movimento d@s trabalhador@s, associad@s e entidades representativas
- A Caixa de Assistência é uma autogestão, é basicamente o Plano de Associados e a Cassi só tem sentido se o foco for a manutenção desse plano e ele só se mantém se for um sistema de custeio solidário, intergeracional e mutualista;
- Foi criada em 1944, muito antes do atual sistema público de saúde (SUS) e órgãos regulatórios como a própria ANS;
- Reforma Estatutária de 1996: alterações importantes foram feitas. Passou a ser autônoma e não mais dentro do RH do BB; definiu-se como objetivo do modelo assistencial a Atenção Integral à Saúde; o debate contou com a expertise de sanitaristas; o foco passou a ser a gestão da saúde da população assistida – cerca de 400 mil pessoas do Plano de Associados –; objetivos do modelo: prevenção de doenças e promoção de saúde, recuperação e reabilitação de pessoas adoecidas;
- Novo custeio na Reforma de 1996: o banco (4,5%) e os associados (3%) sobre a folha de ativos e aposentados; e criação de estrutura própria nas regiões do país para organizar o sistema de cuidados naquelas bases de assistidos - unidades administrativas e de atendimento em saúde (CliniCassi);
- O modelo assistencial seria a essência da mudança no uso dos recursos da Cassi (antes era ressarcir e pagar serviços de saúde do mercado). Os recursos da Caixa sempre foram baseados nos salários e benefícios dos associados. Lembrar que a inflação médica é de 10 a 20% ao ano no mercado (maior que reajustes anuais dos associados). OPINIÃO: Investir em usar mais o mercado de prestadores é um equívoco como tem feito a atual direção 2021. É retroceder no que era a Cassi antes da reforma de 1996;
- Atenção Primária em Saúde (APS): foram testados modelos entre 1996 e 2001 e a Estratégia Saúde da Família (ESF) foi a escolha definida para a Cassi: equipes de família em unidades de atendimentos CliniCassi + programas de saúde. O uso da rede de prestadores seria mais racional e não por incentivo de buscar prestadores à vontade, de acordo com supostas necessidades e desejos dos usuários do sistema (ideia geral do modelo, temos modelos centralizados e descentralizados);
- 1997: ocorre o lançamento do Cassi Família para parentes dos associados. O modelo de plano de saúde não poderia ter menos direitos do que o dos funcionários (imaginem dentro de uma família, direitos diferentes...). OPINIÃO: hoje a direção 2021 fala que os novos planos (tipo Cassi Essencial) com menos direitos e coberturas e menos redes de atendimento é uma "alegria" pois isso seria uma “inclusão”. Isso é no mínimo um exagero! O plano aberto atualmente, o Cassi Família (II), não tem franquia nem coparticipação, os outros terão;
- 1999: lançado o Cassi Família II, com coberturas e regramentos adaptados às regras da ANS para planos de saúde. Foi necessário fechar o CF I para a entrada de novos participantes e abrir esse novo;
- 2001: aprovação das regras do modelo assistencial no âmbito interno da Cassi;
- 2003: lançamento da Estratégia Saúde da Família (ESF) com o objetivo de cobrir toda a população do Plano de Associados e pelo menos os crônicos do Cassi Família (as metas constam nos relatórios anuais seguintes). Já era para toda a população do Plano de Associados estar cadastrada na ESF há muitos muitos anos;
SALTO NA HISTÓRIA PARA 2014, PERÍODO DE NOSSA PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO
- 2014: a ESF tinha 155 mil cadastrados (de todos os planos) no meio do ano quando chegamos e a Cassi tinha 65 unidades de atendimento CliniCassi e a ESF não era o foco da direção do banco, que questionava a eficiência e a serventia do modelo e também a utilidade das CliniCassi. Tínhamos cerca de 150 equipes de família trabalhando nas unidades. Durante o mandato, ampliamos os cadastrados na ESF para 182 mil vidas (fora a rotatividade, ou seja, saldo de cadastrados a mais);
- 2014: Nos debates do orçamento para 2015, a parte patronal na direção da Cassi propôs diversas reduções de direitos em saúde dos associados da ativa e dos aposentados: propuseram aumentar para 4,5% a mensalidade (50% a mais), coparticipações maiores e franquia nas internações de 1.500 reais, reduções nos programas de saúde como o PAF etc. Eleitos rejeitam essas propostas: 2x2 e 4x4 na direção e CD (depois a patronal e a consultoria contratada por ela inventaram uma conversa que a gestão na Cassi era “impossível” porque não se decidia nada, ou seja, ao usar as regras de decisão e rejeitar o que a patronal queria fazer era "não decisão");
- 2015 a 2018: a patronal força o contingenciamento orçamentário e por anos não faz proposta viável e justa aos associados de reequilíbrio do Plano de Associados. Isso leva a Cassi e o Plano de Associados a uma situação mais agravada nos balanços contábeis e no caixa da autogestão (em 2016 houve um acordo provisório acordado entre as partes, um memorando de entendimento);
- 2015: a diretoria de saúde desenvolve com os profissionais da Cassi métodos científicos de aferição de eficiência do modelo assistencial ESF/CliniCassi. Os resultados são impressionantes: durante o mandato, em dezenas de apresentações públicas e internas, provamos o quanto a ESF economizava os recursos da autogestão e beneficiava a saúde dos cadastrados e vinculados ao modelo assistencial. Cadastrados e vinculados tinham de 10 a 30% menos despesas em relação aos não cadastrados ao modelo ESF, fora outros índices melhores;
- 2017 e 2018: o governo Temer (após o golpe de 2016) organiza ataques aos planos de saúde e direitos dos empregados de estatais. Reuniões secretas ocorrem na CGPAR. (as resoluções que fariam na CGPAR-23 seriam muito semelhantes às resoluções da CEE de 1996, da era FHC);
- 2018: os grandes questionamentos em relação à Cassi foram superados junto aos intervenientes do sistema: eficiência da ESF; baixo custo das CliniCassi e custo-benefício delas; o PAF havia completado o seu modelo de cobertura medicamentosa dos crônicos com entrega domiciliar: mais de 50 mil associados receberiam em casa em todas as localidades do país suas receitas médicas. E a direção do banco passou a valorizar e “aceitar” a importância da participação social no dia a dia da Cassi: conselhos de usuários, sindicatos e associações diversas;
- 2019: a Reforma Estatutária traz novos recursos para o orçamento da Cassi a partir de dezembro daquele ano;
- 2020: veio a pandemia Covid-19 a partir de março (no Brasil); um dos efeitos da pandemia naquele ano foi a redução de consultas, exames e procedimentos eletivos. A Cassi também acumulou recursos novos oriundos da Reforma 2019 e cobrando mais dos associados em coparticipações. No entanto, A ESF NÃO AVANÇOU NADA. O PAF teve reduções drásticas, quase o desfazimento do programa em relação ao que era antes para a manutenção da condição de saúde dos crônicos: são milhares de crônicos que não conseguem acessar o direito ou desistiram dele;
- 2020: veio o projeto de TERCEIRIZAÇÃO TOTAL do modelo assistencial de Estratégia Saúde da Família (ESF), com unidades de atendimento CliniCassi e equipes de saúde próprias. Base da terceirização: o piloto "Bem Cassi”, em Curitiba;
- 2020: a ferramenta de telemedicina para atender demandas de Covid-19 foi uma opção interessante para o contexto da pandemia. Depois viria a surpresa: a ferramenta seria usada para se somar à terceirização total e desfazer a estrutura de saúde do modelo de Atenção Integral APS/ESF/CliniCassi;
- 2021: a direção atual anuncia o lançamento de diversos planos de mercado para supostos “milhões” de familiares dos associados (público-alvo, segundo defensores dos planos). Reduções drásticas dos assistidos do Plano de Associados (382 mil até maio). OPINIÃO: os concorrentes do mercado de planos de saúde são infinitamente maiores e com mais poder de conquistar clientes nas áreas onde estão estabelecidos e eles têm estrutura própria em toda a cadeia de atendimento, diferente da Cassi (eles controlam os custos). Será muito difícil o sucesso dos planos de mercado da Cassi.
Enfim, esses tópicos apresentados foram apenas para situar o público para as reflexões e debates sobre a Cassi. São pontos de referência que escolhi para rememorar lutas dos associad@s, bancári@s e entidades sindicais em relação aos direitos em saúde na comunidade Banco do Brasil.
William Mendes
- 2014: Nos debates do orçamento para 2015, a parte patronal na direção da Cassi propôs diversas reduções de direitos em saúde dos associados da ativa e dos aposentados: propuseram aumentar para 4,5% a mensalidade (50% a mais), coparticipações maiores e franquia nas internações de 1.500 reais, reduções nos programas de saúde como o PAF etc. Eleitos rejeitam essas propostas: 2x2 e 4x4 na direção e CD (depois a patronal e a consultoria contratada por ela inventaram uma conversa que a gestão na Cassi era “impossível” porque não se decidia nada, ou seja, ao usar as regras de decisão e rejeitar o que a patronal queria fazer era "não decisão");
- 2015 a 2018: a patronal força o contingenciamento orçamentário e por anos não faz proposta viável e justa aos associados de reequilíbrio do Plano de Associados. Isso leva a Cassi e o Plano de Associados a uma situação mais agravada nos balanços contábeis e no caixa da autogestão (em 2016 houve um acordo provisório acordado entre as partes, um memorando de entendimento);
- 2015: a diretoria de saúde desenvolve com os profissionais da Cassi métodos científicos de aferição de eficiência do modelo assistencial ESF/CliniCassi. Os resultados são impressionantes: durante o mandato, em dezenas de apresentações públicas e internas, provamos o quanto a ESF economizava os recursos da autogestão e beneficiava a saúde dos cadastrados e vinculados ao modelo assistencial. Cadastrados e vinculados tinham de 10 a 30% menos despesas em relação aos não cadastrados ao modelo ESF, fora outros índices melhores;
- 2017 e 2018: o governo Temer (após o golpe de 2016) organiza ataques aos planos de saúde e direitos dos empregados de estatais. Reuniões secretas ocorrem na CGPAR. (as resoluções que fariam na CGPAR-23 seriam muito semelhantes às resoluções da CEE de 1996, da era FHC);
- 2018: os grandes questionamentos em relação à Cassi foram superados junto aos intervenientes do sistema: eficiência da ESF; baixo custo das CliniCassi e custo-benefício delas; o PAF havia completado o seu modelo de cobertura medicamentosa dos crônicos com entrega domiciliar: mais de 50 mil associados receberiam em casa em todas as localidades do país suas receitas médicas. E a direção do banco passou a valorizar e “aceitar” a importância da participação social no dia a dia da Cassi: conselhos de usuários, sindicatos e associações diversas;
- 2019: a Reforma Estatutária traz novos recursos para o orçamento da Cassi a partir de dezembro daquele ano;
- 2020: veio a pandemia Covid-19 a partir de março (no Brasil); um dos efeitos da pandemia naquele ano foi a redução de consultas, exames e procedimentos eletivos. A Cassi também acumulou recursos novos oriundos da Reforma 2019 e cobrando mais dos associados em coparticipações. No entanto, A ESF NÃO AVANÇOU NADA. O PAF teve reduções drásticas, quase o desfazimento do programa em relação ao que era antes para a manutenção da condição de saúde dos crônicos: são milhares de crônicos que não conseguem acessar o direito ou desistiram dele;
- 2020: veio o projeto de TERCEIRIZAÇÃO TOTAL do modelo assistencial de Estratégia Saúde da Família (ESF), com unidades de atendimento CliniCassi e equipes de saúde próprias. Base da terceirização: o piloto "Bem Cassi”, em Curitiba;
- 2020: a ferramenta de telemedicina para atender demandas de Covid-19 foi uma opção interessante para o contexto da pandemia. Depois viria a surpresa: a ferramenta seria usada para se somar à terceirização total e desfazer a estrutura de saúde do modelo de Atenção Integral APS/ESF/CliniCassi;
- 2021: a direção atual anuncia o lançamento de diversos planos de mercado para supostos “milhões” de familiares dos associados (público-alvo, segundo defensores dos planos). Reduções drásticas dos assistidos do Plano de Associados (382 mil até maio). OPINIÃO: os concorrentes do mercado de planos de saúde são infinitamente maiores e com mais poder de conquistar clientes nas áreas onde estão estabelecidos e eles têm estrutura própria em toda a cadeia de atendimento, diferente da Cassi (eles controlam os custos). Será muito difícil o sucesso dos planos de mercado da Cassi.
Enfim, esses tópicos apresentados foram apenas para situar o público para as reflexões e debates sobre a Cassi. São pontos de referência que escolhi para rememorar lutas dos associad@s, bancári@s e entidades sindicais em relação aos direitos em saúde na comunidade Banco do Brasil.
William Mendes
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Algumas perguntas e colocações feitas pelos participantes do encontro:
PERTENCIMENTO
É um tema central. Os associad@s são donos da Caixa de Assistência, além de usuários do sistema de saúde. É fundamental que as pessoas saibam o que é a autogestão Cassi para lutarem por ela e para utilizarem o sistema de forma consciente e solidária.
JUDICIALIZAÇÃO E RECLAMAÇÕES NA ANS
São questões muito importantes. Sabemos que existe uma indústria de judicialização na área da saúde, por diversos motivos, e a Cassi também sofre com essa questão (não entro no mérito de qual lado tem razão, cada caso é um caso). Quanto mais os associad@s compreenderem o papel da Caixa e como ela funciona, mais chances temos de evitar reclamações e judicialização.
Já em relação aos planos de mercado da Cassi, é muito mais difícil evitar isso porque a relação entre os usuários e o sistema Cassi é outra, é praticamente comercial (sem pertencimento). Quando estive na Cassi, me debrucei sobre isso por quatro anos e vi que a judicialização nos planos de mercado é bem maior. O risco com esse monte de planos que pretendem lançar com menos direitos é evidente, na minha opinião.
CASSI FAMÍLIA PODERIA SER MAIS BARATO (CF I e CF II)?
Na minha opinião, seria possível fortalecer o modelo assistencial ESF e as CliniCassi vinculando a adesão ao modelo a descontos por ter a ESF como porta de entrada. REDUZIRÍAMOS o valor das mensalidades sem criar um monte de planos com menos direitos. Como os cadastrados vinculados à ESF têm despesas menores no uso da rede credenciada como os estudos demonstraram, todos ganhariam e o modelo APS/ESF/CliniCassi seria fortalecido. Observação: já poderíamos ter mais procedimentos nas CliniCassi, mais equipes de família e CliniCassi de especialidades como tínhamos proposto na gestão. E sem TERCEIRIZAR!
MIGRAÇÃO ENTRE OS PLANOS DENTRO DA CASSI
O grande risco é de associad@s migrarem para os planos de mercado por algum motivo, até por falta de orientação adequada, achando que em algum momento poderia ser mais vantajoso. Qualquer pessoa que tenha direito ao Plano de Associados não deveria jamais optar pelos outros planos de mercado. Cada pessoa que não exercer seu direito de aderir ao Plano de Associados estará abrindo mão da contribuição da parte patronal no custeio além dos benefícios e direitos maiores do Plano. E com o passar do tempo as pessoas acabam ficando sem plano, porque o valor das mensalidades nos modelos por tabela de idade expulsa os usuários quando mais precisam do plano.
(é uma síntese das questões. Foram abordados muitos temas interessantes, mas ficaria enorme a postagem para comentar todos eles)
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