Opinião:
Os participantes da comunidade BB têm mais de uma centena de entidades sindicais, dezenas de entidades associativas da ativa e aposentados e a Cassi tem 27 conselhos de usuários.
Perguntas que deixo para as lideranças da comunidade BB e para os interessados e interessadas:
A comunidade Banco do Brasil, com dois séculos de existência, está atenta e acompanhando o que vem ocorrendo em suas instituições? Os fóruns coletivos estão acompanhando e debatendo as mudanças que vêm ocorrendo na Caixa de Assistência? Foram feitos debates sobre a terceirização na Cassi? A implantação da telemedicina foi discutida com os associados? Qual a extensão da telemedicina? Qual a última vez que se cobrou a ampliação e manutenção do modelo assistencial APS/ESF/CliniCassi? Será que desfigurar programas de saúde como o PAF é aceitável para o modelo assistencial?
A Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil, a Cassi, era até 2017 uma das experiências de sistemas de saúde mais exitosas no país e ouso dizer no mundo por causa da amplitude da população envolvida à época (695 mil participantes diretos) em relação ao seu modelo assistencial de Atenção Primária à Saúde (APS) e Estratégia Saúde da Família (ESF) com estrutura própria - 66 unidades de atendimento em saúde (CliniCassi) e 150 equipes de família à disposição dos participantes nas 27 capitais e diversas regiões nos interiores do país.
O sistema de Atenção Integral à Saúde da Cassi - baseado em prevenção de doenças, promoção de saúde e acompanhamento de crônicos - já havia se desenvolvido por duas décadas (1996-2017) e durante nossa gestão à frente da diretoria de saúde conseguimos aferir por mecanismos técnicos a eficiência do modelo em relação ao mercado e em relação aos participantes não vinculados ao modelo assistencial. Os avanços na área da saúde foram em função da competência e dedicação do quadro de funcionários da Cassi.
MODELOS DE SAÚDE - O mercado privado de saúde brasileiro tem um modelo descentralizado e de livre acesso por ofertas de serviços e com custos praticamente impagáveis ao longo do tempo, inverso ao modelo idealizado pela Cassi, planejado para monitorar e acompanhar sua população assistida em todo o território nacional, uma população estável e com longa permanência no tempo (décadas).
Esse modelo mais centralizado possibilita um sistema mais eficiente no tempo, com monitoramento periódico dos participantes de acordo com os diversos graus de complexidade e com resultados melhores em saúde e no custo da compra de serviços nos prestadores do mercado: a rede credenciada e seus diversos níveis de ofertas de serviços.
Os estudos técnicos que fizemos sobre a eficiência do modelo APS/ESF/CliniCassi foram surpreendentes e foram possíveis justamente por termos uma população longeva no sistema e parte dela já estar fidelizada no modelo assistencial em funcionamento há anos nas 66 CliniCassi e 150 equipes de família (ESF).
O que foi possível fazer com as informações que tínhamos à época? (e baseado nos direitos dos associados à época, que foram drasticamente reduzidos após 2018)
Nós conseguimos comparar o comportamento das despesas per capita entre um grupo de participantes vinculados por pelo menos 3 anos ao modelo ESF (51.821 pessoas) com um grupo não cadastrado ao modelo ESF (401.693 pessoas) por níveis de complexidade (ano base do estudo: 2015).
Os estudos comprovaram que mesmo as faixas etárias mais idosas tinham uma despesa assistencial na rede prestadora muito menor do que as mesmas faixas etárias que não estavam inseridas ainda no modelo assistencial (de 10 a 40% menor). E as despesas assistenciais dos mais idosos eras menores que as das faixas etárias mais jovens sem vínculo ao modelo!
AMPLIAÇÃO DO MODELO ASSISTENCIAL MESMO EM TEMPOS DE CRISE ECONÔMICO-FINANCEIRA - A Estratégia Saúde da Família (ESF) da Caixa de Assistência saltou de pouco mais de 157 mil cadastrados no início de nossa gestão na saúde (jun/2014) para 182 mil cadastrados ao final do mandato (mai/2018). Só em nossa gestão, incluímos quase 25 mil vidas ao modelo, mesmo a Cassi enfrentando uma grave crise de custeio, outra base importante de um sistema de saúde, debate que, na Cassi, excedia em muito a responsabilidade da diretoria de saúde e rede de atendimento.
Por que fiz este breve histórico da Cassi dos trabalhadores da comunidade Banco do Brasil?
Porque tenho a impressão que o modelo assistencial da nossa autogestão - baseado em prevenção de doenças, promoção de saúde, recuperação e acompanhamento dos participantes - foi severamente afetado pelas mudanças ocorridas após 2018. Vejamos algumas mudanças preocupantes no período:
- a reforma estatutária de novembro de 2019 que encareceu a mensalidade dos participantes;
- a direção atual que aumentou abusivamente as coparticipações em consultas e exames, afetando a essência do modelo: prevenção e acompanhamento dos doentes crônicos através de APS/ESF (o modelo faz mais consultas e exames e economiza exponencialmente em MAT/MED e em internações hospitalares);
- a redução drástica do programa de apoio medicamentoso aos crônicos, o PAF, que foi todo desfigurado com a redução de centenas de medicamentos e com o fim da distribuição em casa, que visava isonomia de acesso à população crônica, principalmente nos interiores e locais com pouca rede de venda de medicamentos. Segundo matéria na Contraf-CUT (10/9/20) a LIMACA reduziu de 365 para 92 os princípios ativos, de 2985 para 1167 medicamentos e de 143 para 31 materiais abonáveis;
- a pandemia de Covid-19 que afetou profundamente a relação dos participantes com as CliniCassi e com a rede prestadora, inclusive os vinculados à ESF, em boa parte pessoas dos grupos de risco, com algumas comorbidades e acompanhamento das equipes multidisciplinares;
- e, por fim, a implantação de um modelo de telemedicina que o mercado vem adotando em substituição ao atendimento presencial e que precisaria ser avaliado criticamente pelas representações dos associados da Cassi porque me parece que essa ferramenta tende a ser usada na Caixa de Assistência para substituir o modelo presencial na relação dos profissionais de saúde das equipes ESF com os participantes da autogestão. Uma coisa é a ferramenta ser utilizada durante a crise da pandemia e outra é ser adotada como modelo para tudo.
Por causa da pandemia de Covid-19, e também por causa de outros fatores anteriores à pandemia como, por exemplo, maior custo para os participantes após 2018, avalio que o sistema que funcionava relativamente bem de APS/ESF/CliniCassi deve ter sofrido prejuízos e ou retrocessos importantes nesse período. Mas reafirmo que isso é uma impressão pelo que conheço do sistema Cassi. Não tenho dados sobre isso e entendo que as entidades dos participantes deveriam ter esses dados formalmente, já que representam os associados.
Para piorar, a direção da Cassi pretende terceirizar a essência do modelo assistencial (piloto "Bem Cassi" no Paraná) e isso pode ferir mortalmente o modelo porque se a direção desfizer a estrutura própria construída há décadas dificilmente haverá retorno. Essa terceirização para o mercado da atividade fim da Cassi é extremamente arriscada porque mercado é mercado. Já vimos grupos empresariais fecharem leitos de maternidade para abrirem leitos para tratamento de câncer porque dão mais lucro para os donos e profissionais das empresas de saúde. (escrevi 3 artigos a respeito do "Bem Cassi": ler aqui um deles com link para os outros)
Além do que descrevi em relação às mudanças na Cassi, temos uma tragédia em andamento no mundo do trabalho relacionado à Cassi - o Banco do Brasil - que passa por um desmonte violento desde o golpe de Estado de 2016. Só neste mês saíram 5.533 trabalhadores do banco, sendo que mais de mil pessoas saíram da comunidade BB.
As entidades sindicais relatam diariamente o caos que está trabalhar no BB por causa da pandemia, do desmonte, do assédio moral, descomissionamentos e reduções salariais, metas impossíveis e péssimas condições de trabalho. Já saíram mais de 17 mil pessoas no período Temer e Bolsonaro.
Enfim, os fatos e os acontecimentos indicam que provavelmente temos uma multidão de pessoas adoecidas ou em vias de adoecer na comunidade Banco do Brasil. Isso é muito preocupante.
Deixo minha solidariedade aos colegas que estão na ativa enfrentando essa situação difícil nos locais de trabalho e minha solidariedade às lutas em defesa dos direitos da comunidade BB, sejam direitos em saúde, previdência e direitos sociais como os do trabalho.
Abraços a tod@s,
William Mendes