(Atualizado em 06/12/16, às 0:59h)
Vejamos a afirmação do coordenador de uma recente pesquisa que mostra que a judicialização no setor de saúde suplementar está dando ganho de causa para 9 em cada 10 demandas de usuários de planos de saúde:
" 'O perfil de problema que leva à Justiça está em constante movimento e tem a ver com lacunas da regulação. Antes, foi a Aids. Hoje aparecem câncer, doenças cardiovasculares', diz Mario Scheffer, professor da USP e coordenador da pesquisa" (matéria completa abaixo. Todos os sublinhados são destaques meus no texto)
Tenho a mesma opinião do presidente da FenaSaúde, Coriolano, que também não concorda com uma das conclusões do estudo, onde a judicialização teria relação com "lacunas da regulação".
A própria matéria e a ampla maioria das sentenças favoráveis aos usuários e contra os planos de saúde estão deixando claro que as decisões contra as operadoras de saúde estão ao arrepio dos contratos de cobertura dos planos e mandando fazer procedimentos ou fornecer materiais e medicamentos que não estão previstos na regulação e legislação em vigor (ANS).
Se essa tendência não for revista, com urgência, não vai sobrar um plano de saúde coletivo sério nos próximos anos, com mensalidades possíveis de serem pagas, e a amplíssima maioria dos milhões de usuários terá que ir/voltar para o SUS porque não terão como pagar os custos rateados coletivamente por pagar decisões da justiça para casos individuais não previstos nos contratos, legislação e custo dos planos.
Estamos atuando como gestores de um plano de saúde de trabalhadores no modelo de autogestão (que não visa lucro), a Cassi, onde fomos eleitos em 2014, e à medida que fomos conhecendo os problemas do setor de saúde, que passa por grave crise por motivos como esse da matéria abaixo, percebemos que é muito importante fortalecer o modelo assistencial de nossa Caixa de Assistência, baseado em fazer promoção de saúde e prevenção de doenças, porque se usa melhor os recursos coletivos disponíveis.
No entanto, não há milagre que dê conta da esquizofrenia que vive o setor saúde com problemas estruturais e conjunturais como os que cito a seguir:
- inflação médica com o dobro dos índices oficiais;
- judicialização que cria despesa assistencial não prevista nos contratos e legislação;
- rede hospitalar atuando com cheque em branco ao internar pacientes dos planos conveniados;
- a resolução (259/268) da ANS, de Garantia de Atendimento (GA), cujo objetivo correto era não deixar usuários desassistidos, mas que teve como consequência negativa uma desorganização negocial na relação operadoras de saúde/rede credenciada, porque os planos de saúde não estão mais conseguindo credenciar profissionais de saúde, clínicas e cooperativas de médicos, pois a Resolução acaba obrigando os planos a pagarem o valor que eles quiserem em suas consultas;
- as fraudes absurdas de fornecimento de OPME, materiais e medicamentos e a forma de organização praticamente em monopólio em que estão organizados os setores de exames e diagnose no país;
- a falta de ética de alguns segmentos ou profissionais na área da saúde. (Felizmente há uma imensidão de empresas do setor de saúde e profissionais corretos e focados na saúde das pessoas);
- e o mais importante nessa discussão da (in)sustentabilidade no setor de saúde: a mudança cultural e estrutural do modelo de saúde atual, focado na doença e na cura caríssima dela e não na prevenção e cuidado das pessoas, coletivamente, ao longo da vida.
No nosso caso, a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi), é necessário unidade e parceria entre todos da Comunidade BB - os associados e seus familiares, as entidades representativas e o patrocinador Banco do Brasil -, para encontrarmos uma solução de equilíbrio financeiro no Plano de Associados, e todos juntos, focarmos na próxima década a ampliação da cobertura do modelo assistencial, baseado na Estratégia Saúde da Família (ESF).
William Mendes
Diretor de Saúde e Rede de Atendimento
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(Matéria da FSP de 18/01/16, segunda-feira)
Paciente ganha 9 em cada 10 ações contra plano
Marcio teve negada uma cirurgia para retirar um tumor no cérebro. Luciene, obesa mórbida, uma operação para reduzir o estômago. A Walter foi vetada uma radioterapia mais precisa.
Em comum, todos tiveram procedimentos negados pelos planos de saúde, recorreram à Justiça e ganharam as ações.
Estudo da USP mostra que 92,4% das decisões judiciais contra planos de saúde da cidade de São Paulo favoreceram o paciente. Em 88% delas, a demanda foi atendida na íntegra; em 4%, parcialmente. A pesquisa avaliou todas as 4.059 decisões de segunda instância proferidas pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) contra planos coletivos entre 2013 e 2014.
Cerca de 60% dos paulistanos possuem planos de saúde —desses, 5,2 milhões têm planos coletivos, que representam 83% do mercado.
A exclusão de coberturas foi a principal causa das demandas (47,6%).
O empresário Walter Carmona, 58, acionou a Justiça em 2014. Ele teve indicação médica de uma radioterapia mais avançada (IMRT) para tratar um tumor de próstata reincidente. O plano alegou que isso não estava no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
O empresário entrou com ação judicial, e no dia seguinte foi concedida uma liminar determinando a realização do procedimento. Depois, o TJ ratificou a decisão.
"Eles [planos] só entendem a língua das liminares. Queriam que eu aceitasse um tratamento inferior", afirma.
Carmona paga R$ 10 mil por mês ao plano (tem mulher, mãe e três filhos como dependentes). O tratamento custou R$ 30 mil para a operadora.
MAIS VETADOS
Tratamento para câncer é o segundo procedimento mais vetado pelos planos (15,6%), atrás das cirurgias (34%), segundo o estudo. Entre as terapias, a radioterapia lidera nas negativas.
"O perfil de problema que leva à Justiça está em constante movimento e tem a ver com lacunas da regulação. Antes, foi a Aids. Hoje aparecem câncer, doenças cardiovasculares", diz Mario Scheffer, professor da USP e coordenador da pesquisa.
Os planos de saúde dizem que muitos pedidos não estão previstos em contratos ou na lei que rege o mercado. Os juízes, porém, estão levando em conta outras legislações, como CDC (Código de Defesa do Consumidor), e súmulas do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do próprio TJ-SP.
"A ANS tem resistido em aplicar os ditames do CDC, mas a Justiça tem mostrado que isso precisa mudar", afirma Scheffer. A ANS diz considerar o CDC na regulação.
Segundo o professor, é possível considerar as decisões do TJ-SP como definitivas, pois questioná-las no âmbito do STJ esbarraria nas súmulas 5 e 7. Elas dizem que a simples interpretação de cláusula contratual e a simples pretensão de reexame da prova não enseja recurso especial.
A maior presença dos "planos falsos coletivos", formados por pequenos grupos, leva ao aumento de ações judiciais no setor, diz Scheffer. Eles têm menor poder de barganha, o que provocaria mais reajustes abusivos, exclusão de cobertura e rescisão unilateral. A pesquisa não indicou, porém, qual é a fatia deles no total de planos coletivos.
Quase um quarto dos que recorreram à Justiça pediu também indenização por danos morais pelo sofrimento causado pela negativa do plano, e 59% dos usuários tiveram sucesso. Os valores variaram de R$ 1.000 a R$ 500 mil.
Entre as decisões favoráveis por danos morais, 78% foram motivadas por exclusão de cobertura. "Há uma sensibilidade maior ao sofrimento", diz a advogada Juliana Ferreira Kozan, especializada na área.
Na sua opinião, a Justiça ainda se mostra reticente à condenação por danos morais. "O usuário também teme perder a ação e ter que arcar com os ônus da sucumbência [honorários do advogado pago pelo perdedor]", explica.
O estudo, financiado pela Opas (Organização Pan-Americana de Saúde) e pela ANS, não avaliou decisões de caráter provisório, como liminares e tutelas antecipadas.
ANS APOSTA EM MEDIAÇÃO
A ANS diz que tem evitado que muitas queixas de clientes de planos de saúde cheguem à Justiça por meio de seu núcleo de mediação.
Para efeito de comparação, entre 2010 e 2014, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu um total de 37.877 decisões contra planos de saúde, segundo estudo da USP —não há detalhamento dessas ações.
No mesmo período, o núcleo de mediação da ANS registrou 55 mil notificações de clientes paulistas insatisfeitos. Em nota, a agência informa que a taxa média de resolução das demandas atinge o índice de 85%.
"A ANS vem se firmando, ano a ano, como o principal canal de relacionamento com o usuário de plano de saúde."
Em 2015, diz a ANS, foram registradas 102 mil reclamações contra planos, com uma taxa de resolutividade de 87,4%. "Isso quer dizer que, apenas no ano passado, 89,1 mil beneficiários de planos de saúde tiveram suas demandas resolvidas através da ANS, o que contribui para a diminuição da judicialização não só no Estado de São Paulo, mas no país inteiro."
A agência informa ainda que está analisando as recomendações feitas pelos pesquisadores da USP.
OUTRO LADO
A principal justificativa dos planos de saúde nos processos em que são réus é a de que cumprem o previsto no contrato. Esse argumento é usado em 50% das ações analisadas pelo estudo da USP.
Outras duas defesas comuns são as de que o procedimento negado não consta do rol de coberturas obrigatórias da ANS ou de que a lei que rege os planos de saúde ou resoluções da ANS permitem tal prática (33%).
Segundo Marcio Coriolano, presidente da Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), a maioria dos itens judicializados não se relaciona a descumprimento de contratos, mas a pedidos sem amparo nas normas do mercado de saúde suplementar.
"E as decisões judiciais têm a ver com uma visão mais social, que colide com a própria regulamentação da ANS, ao arrepio das normas vigentes", argumenta.
Para ele, o Código de Defesa do Consumidor, usado na fundamentação de 57% das decisões judiciais no TJ-SP, não pode se sobrepor à lei que regula o setor (9.656/98).
Coriolano discorda de uma das conclusões do estudo segundo a qual, por falha na regulação, o Judiciário está tendo que arbitrar sobre essas questões. "Um dos itens mais judicializados, o direito dos demitidos e dos aposentados, está bem regulamentado pela ANS. Mas as decisões judiciais dão direitos que os demitidos e aposentados não têm. Podem discordar da forma como que é feito, mas não existe falha regulatória."
Pedro Ramos, diretor da Abramge (Associação Brasileira de Medicina de Grupo), concorda. "Muitos estão indo para a Justiça buscar aquilo a que não têm direito. O que está previsto no contrato ou na lei [do plano], não tem o que discutir, tem que cumprir. Mas o que não está, não é possível. O sistema vai entrar em colapso."
Ele cita uma situação que testemunhou recentemente. "Um executivo comentou que precisava fazer uma determinada cirurgia cardíaca, mas que não está prevista em seu contrato [com o plano]. Perguntei: 'por que você não adapta o plano? [pagando a diferença do 'upgrade']'. Ele respondeu: Não precisa. Consigo uma liminar e pronto."
Na opinião de Coriolano, a judicialização está "elitizando" o acesso à saúde. "Quando alguém contrata um bom advogado e paga para ter acesso à Justiça, ela tira o direito de outras. É mais grave no setor público, que tem limitações orçamentárias. No setor privado, quem paga por isso é o beneficiário."
Fonte: (CLÁUDIA COLLUCCI - Folha de S.Paulo, Cotidiano)
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