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26.5.22

Memórias (XXVI)


Eu e sobrinho numa palestra de filosofia na USP.

A importância dos sindicatos combativos na conscientização e politização da classe trabalhadora

Opinião (fortemente influenciada pelos anos de bolsonarismo entranhado nas relações familiares)

Dias atrás estava numa conversa com meu sobrinho e afilhado sobre a vida e as coisas da vida - as crises de família, a crise política do país e as demais crises que vivemos (ixi, acho que sugeri que a vida é uma sequência de crises) - e naquele momento fazia uma reflexão sobre os porquês de eu ser uma exceção entre dezenas de pessoas de nossa família e ser um cidadão de esquerda, de ser politizado e ter consciência de classe (é uma avaliação pessoal). Imagino que tenham mais alguns "progressistas" na família, mas são exceções ao quadro geral. E lembro aqui que estou me referindo a uma família com origem nas classes C, D e E de consumo. Gente pobre, sem posses, sem propriedades.

Se eu considerar somente o tronco familiar de meus pais, a começar pela ascendência deles, minhas avós Deolinda e Cornélia (meus avôs morreram bem antes da morte delas), seriam doze tios e tias (na verdade, seriam somente duas tias e um monte de tios) e mais umas dezenas de primos e primas, cônjuges ("conges", como diz o ídolo de alguns familiares) e os filhos e filhas dos primos e respectivos cônjuges. Põe aí umas 70 pessoas, mais ou menos, a considerar as gerações que são adultas hoje. Que eu saiba, esse povo todo não nasceu em berço de ouro, pelo contrário, nasceu em berço de madeira comum, mobília tipo Casas Bahia. É gente com origem nas classes subalternas do Brasil.

Quantas pessoas seriam de esquerda e progressistas, ou pelo menos contrárias às concepções de direita e extrema-direita, conservadoras e reacionárias neste núcleo familiar de pobres e remediados do povo brasileiro? Umas 5 ou 6 talvez? Talvez. 

Na conversa com meu sobrinho, eu refletia sobre a importância que teve em minha vida o contato com os dirigentes, assessores políticos e a militância do sindicato da categoria profissional à qual passei a maior parte de minha vida laboral: a categoria bancária. Aos 20 anos tive o primeiro contato com o pessoal do sindicato ao trabalhar no Unibanco e depois com 23 anos ao ser funcionário do Banco do Brasil. Mesmo assim, ao olhar para trás, ao ver escritos meus, percebo que só após os 30 anos de idade foi que comecei a me politizar e me tornar uma pessoa com a consciência de classe e a defender as ideias das correntes políticas de esquerda, que lutam pela classe trabalhadora, e não as ideias de direita, que defendem os ideais dos donos do poder, da casa-grande, dos bilionários, latifundiários, coronéis, banqueiros, rentistas e grandes capitalistas. 

Ao olhar para trás em minha vida e no meio ambiente onde nasci, cresci e vivi por quase três décadas de minha vida, fica claro como a água limpa que eu só fui salvo de ser um pobre ou remediado de direita, conservador ou reacionário, ou então um "liberal" - um conceito aperfeiçoado pelos donos do capital para manipular gente pobre e gente estúpida* ao serem facilmente convencidas que poderiam virar um grande capitalista e dono das riquezas produzidas pela classe trabalhadora explorada, enfim, fui salvo pela convivência com o movimento sindical.

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*Post Scriptum - Estupidez é diferente de ignorância, de não saber. Pessoas com grande acúmulo de conhecimento em uma ou diversas áreas podem ser estúpidas ou praticar ações estupidas. Qualquer um de nós pode agir com estupidez. Exemplo: pular numa piscina rasa de cabeça se expondo ao risco de um traumatismo craniano ou de quebrar o pescoço é uma ação estúpida!

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Aliás, essa "classe média" que se acha rica só vai ver a merda que é nos momentos de crises do capitalismo, esses idiotas que acham que estão do lado de lá da classe, a dos capitalistas, são expurgados da festa dos salões de dinheiro e ficam na miséria como a maioria, os 99%. Mesmo assim, tem ideologia da casa-grande pra dizer que a culpa da miséria dos ex-remediados é deles mesmos.

Por um misto de sorte e efeito da ação humana me sindicalizei, me interessei por política e não fui convencido pelos donos do poder que eu seria um "vencedor" na vida por mérito próprio, um humano de origem humilde que ascendeu na vida por efeito da meritocracia. Meritocracia o caralho! Desde muito cedo, provavelmente a cor da minha pele foi me favorecendo mesmo nos subempregos que tive a partir dos onze ou doze anos de idade. O ambiente continental onde nasci tem um vício de origem, uma cultura de opressão de cinco séculos, um racismo estrutural e a gente desse continente é moldada a achar toda barbaridade como algo normal, natural, coisa da natureza.

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Neste momento em que escrevo, as notícias normalizadas da imprensa capitalista, dos donos brancos do poder, registram a morte do senhor Genivaldo de Jesus Santos, um homem negro de 38 anos com algum grau de deficiência, no dia de ontem. Ele foi abordado pela Polícia Rodoviária Federal de Sergipe, e mesmo estando sob os olhares das pessoas ao redor, foi assassinado numa "câmara de gás" improvisada dentro do camburão. A cena é chocante, só quem já foi vítima do gás de pimenta desses capitães do mato da casa-grande sabe o quanto é forte aquilo... as notícias normalizadas dão informes também da enésima chacina em comunidades do Rio de Janeiro, mais de 25 humanos pretos ou pardos mortos. E antes temos o humano congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte em público nos calçadões do Rio...

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Comecei este texto de memórias com a intenção de falar um pouco da compreensão que tenho hoje do efeito em minha vida de ter tido contato com o pessoal do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região.

Ao imaginar minhas primeiras discussões no dia a dia com o pessoal do sindicato, não é difícil concluir que minhas ideias eram as ideias do meio ao qual eu pertencia, meio influenciado pela ideologia das classes dominantes e seus ideólogos, os meios midiáticos da época e os grupos escolarizados que executam funções a soldo e manipuladoras, muitas vezes, em favor das elites e donos do capital. Depois que me politizei na convivência organizada do mundo do trabalho foi que me dei conta de como funciona a vida de nós todos, que vendemos nossa força de trabalho para sobreviver no capitalismo. 

As notícias diárias cada dia piores têm feito com que pessoas como eu percam o ânimo até para escrever ou falar ou gritar contra as injustiças e o estado de barbárie em que nos encontramos após o golpe de 2016, sim, escrevemos milhares de vezes que o golpe contra a democracia brasileira daria neste estado de barbárie no qual estamos.

Eu iria discorrer um pouco sobre o que o marxismo nos ensinou, a questão do materialismo histórico. Eu falava sobre isso com meu sobrinho naquele dia. As ideias vêm da vida material concreta e não o contrário. Não adianta ficarmos indignados perguntando por que as pessoas não se revoltam e reagem a tudo isso que estamos vendo diariamente. Porque existe um sistema que faz com que as pessoas não tenham sequer a consciência do que está acontecendo. É preciso uma organização e uma politização das pessoas do mundo do trabalho para que elas possam enfrentar os capitalistas e suas ideologias dominantes.

Eu não sou como meus familiares, eu tenho ideias diferentes das ideias deles porque no meu caminho do viver se deu a experiência de contatar e conviver com movimentos organizados que lutam contra esse estado bárbaro das coisas neste continente colonizado e escravocrata. Um continente com um histórico de capitalismo mais torto que o capitalismo das matrizes europeias - um lugar com "As ideias fora do lugar", como ensina Roberto Schwarz.

Não estou afirmando que a única forma de se politizar e se conscientizar é através de um caminho semelhante ao meu, o contato com um sindicato combativo que me deu a oportunidade de conhecer o outro lado da história. Estou afirmando que assim se deu na minha vida. A educação é outra fonte de libertação e conscientização. O envolvimento com movimentos que atuam em favor do socialismo, da solidariedade de classe, da igualdade e tolerância às diversidades, a participação em associativismos e cooperativismos também são oportunidades de formação política e ideológica.

Enfim, estou mal como muita gente está ao ver o tempo todo as barbaridades cometidas nesta terra na qual nascemos, crescemos e vivemos. Esse ódio, essa necropolítica não é natural, é coisa de segmentos humanos. Não podemos e não devemos pactuar com essa maldade toda. Temos que lutar contra esse bolsonarismo, essas práticas nazifascistas que tomaram conta de nosso dia a dia. 

O amor, a amizade, a tolerância, a solidariedade, a alegria e a cooperação são sentimentos e ações muito melhores do que isso que estamos vivendo no Brasil. Neste momento e nestas condições, apoiar a frente ampla liderada por Lula é uma das alternativas para interromper a barbárie (eu diria a única alternativa por processos políticos e sem guerra, em contexto de "paz"). Organizar comitês locais em todo o país e fortalecer a educação e a politização das pessoas é mais uma forma de nos organizarmos contra a barbárie. E a tolerância ao diferente de nós é mais uma forma de tentar lidar com esse ódio e violência estimulados pelo nazifascismo bolsonarista.

E os sindicatos têm um papel fundamental nessa luta. Por isso o golpe fez de tudo para enfraquecer e exterminar os sindicatos da vida da classe trabalhadora.

Tinha muito mais coisas na memória sobre esse tema, mas estou triste demais para seguir escrevendo neste momento. Estou triste, mas não desisto do viver e nem de fazer algo para mudar essa realidade.

Desejo unidade e tolerância ao menos por parte das lideranças de nosso lado da classe, a classe trabalhadora.

William


Post Scriptum (20/12/23): ao revisar este texto por ocasião da edição em livro dessas memórias, senti a necessidade de explicar algumas palavras duras proferidas por mim à época. A questão de nominar pessoas como estúpidas é uma delas. Qualquer pessoa pode cometer estupidez, e entendo que apoiar o genocida e suspeito de corrupção que esteve no poder após o golpe contra a nossa democracia em 2016 e eleições fraudadas em 2018 retirando do processo quem venceria - Lula -, e apoiar o que Bolsonaro fez durante sua gestão e o que ainda defende é uma ação estúpida, uma estupidez que ainda encontra milhões de pessoas capturadas pelas ideias e ideais nazifascistas dos bolsonaristas... entendo que se o apoio às ideias e práticas bolsonaristas não é por estupidez, então é algo pior, é por falta de caráter, o que seria mais grave ainda. Enfim, percebem como é difícil amenizar a questão?


Post Scriptum II: o texto anterior dessas memórias pode ser lido clicando aqui. Para ler o texto seguinte, é só clicar aqui.



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