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16.7.23

Cassi (I)

 


OPINIÃO: 

DILEMAS SOBRE A SAÚDE HUMANA


Que tipo de reflexão eu poderia fazer sobre o tema saúde humana? Que noções eu tenho sobre o tema saúde humana para exercer meu livre direito constitucional de expressar minha opinião e meus pensamentos sobre esse tema, a saúde humana? 

Em relação à população em geral, talvez eu conheça um pouquinho mais sobre o tema, ou seja, talvez eu tenha algumas noções a mais sobre saúde humana em relação aos leigos porque durante o percurso de minha vida adulta tive alguns contatos com o tema de forma técnica ou profissional.

Tive uma experiência marcante em minha vida, fui gestor de saúde por quatro anos e essa oportunidade me proporcionou conhecimentos na área de assistência à saúde que eu jamais imaginaria ter não fosse essa experiência. Eu diria que posso fazer reflexões ao menos sobre gestão de sistemas de saúde como o da autogestão Cassi.

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PRIMEIROS CONTATOS

Na infância, trabalhei por alguns meses em uma drogaria e até aplicava injeções. Por incrível que isso possa parecer hoje, nos anos oitenta isso foi possível, legal ou ilegalmente, porque não sei se a drogaria onde eu trabalhava de entregador de medicamentos poderia me pedir para aplicar injeções musculares e venosas nos clientes. O fato concreto é que eu apliquei muita injeção durante alguns meses de trabalho. Os clientes ao ligarem na drogaria pediam que eu fosse aplicar as injeções porque eu tinha a "mão boa" e as injeções não doíam, nem as musculares nem as venosas. Que loucura pensar nisso hoje! Eu era uma criança entre meus 14 e 15 anos de idade.

Depois de já ser adulto e trabalhar no Banco do Brasil, eu iniciei uma graduação em Educação Física e cursei o bacharelado por dois anos. Estudei na Faculdade do Clube Náutico Mogiano e modestamente posso dizer que me dei muito bem com as disciplinas que fiz. Eu já era formado em Ciências Contábeis e voltar a estudar com mais idade foi muito positivo porque minha dedicação aos estudos fazia toda a diferença. Aprendi muito com as disciplinas das áreas médicas como, por exemplo, "Anatomia" e "Bioquímica e Nutrição". Infelizmente eu não pude concluir o curso por não ter recursos para pagar as mensalidades.

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GESTÃO EM SAÚDE NA CASSI

Meu terceiro contato técnico ou profissional com a área de saúde humana foi uma das maiores experiência de minha vida. Entre 2014 e 2018, no auge de minha maturidade política e intelectual, fui eleito gestor de saúde da autogestão dos trabalhadores do Banco do Brasil, a Cassi. Eu já vinha de uma intensa formação política na luta por direitos em saúde da categoria bancária, pois era dirigente sindical e coordenava as negociações entre capital e trabalho, nas mesas entre os bancários e o Banco do Brasil e Fenaban. Nunca estudei tanto em minha vida! Nunca fiz tanto esforço em transmitir o que aprendi em saúde e gestão de saúde para a coletividade. E ao transmitir conhecimento, a gente aprende e aperfeiçoa o conhecimento.

O nosso mandato de gestão de saúde foi exercido durante um período complexo da vida do país. Quando eu fui eleito para ser diretor de saúde na autogestão do maior banco público do país, o governo federal era gerido pelo Partido dos Trabalhadores, por Dilma Rousseff. Ao longo do mandato, o país sofreu um golpe de Estado, e os golpistas assumiram a gestão do país a partir do dia 17 de abril de 2016, com Michel Temer. Tudo mudou drasticamente na vida do povo trabalhador brasileiro e nas instituições do Estado nacional naquele período. Evidentemente, mudou também as relações internas nas empresas públicas e nas agências reguladoras e controladoras.

Durante o período no qual fizemos parte da gestão da Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil havia um forte embate entre capital e trabalho, embate iniciado já nos governos do PT e que se agravou após o golpe de Estado. O patrocinador da Cassi, o banco estatal, alegava não poder investir mais recursos na autogestão, da qual detinha a metade do controle administrativo e era o responsável direto pela gestão das áreas contábeis, econômico-financeiras, presidência, controles e auditoria etc. O embate entre capital e trabalho tinha um foco central: aumentar a contribuição dos associados e dependentes e reduzir direitos em saúde. Esse embate permaneceu enquanto estivemos lá. Os associados não perderam direito algum até terminar nosso mandato.

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PREVENIR E EVITAR DOENÇAS OU VENDER A CURA E A ILUSÃO DA CURA?

Enfim, vivemos dilemas sobre a saúde humana, desde sempre. Eu diria que os dilemas começam pelas escolhas feitas pelos gestores de sistemas públicos e privados de saúde (escolha política): se o objetivo do sistema gerido é promover saúde e evitar adoecimentos ou aplicar os mais diversos meios disponíveis (e caros) para reparar doenças e amenizar consequências de doenças e traumas na saúde das pessoas.

Minhas noções sobre saúde humana foram ampliadas após uma vida de representação da classe trabalhadora por causa das disputas entre patrão e trabalhadores em relação às condições de trabalho e adoecimento por causa da venda de nossa força de trabalho. De cara, posso afirmar que um dos embates é tentar prevenir o adoecimento dos trabalhadores, mas a disputa com o patrão nesta questão é dura, a gente acaba adoecendo mesmo.

Ser gestor de saúde e de sistemas de saúde me deu oportunidade de conhecer por dentro como funciona a chamada indústria da saúde, tanto pública como privada. É evidente que meu aprendizado, minhas noções, foram muito mais relativas à realidade da Caixa de Assistência, uma autogestão, com um modelo de saúde que vinha sendo implementado após um longo debate interno entre patrocinador, associados e corpo técnico. 

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DE ONDE VEM E PRA ONDE VAI A NOSSA CASSI?

O modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF), escolhido entre os modelos de Atenção Primária em Saúde (APS) era uma decisão acertada na Cassi e nós demonstramos isso em números durante nossa gestão como responsável pela diretoria de saúde. A Cassi conseguiu brilhar interna e externamente em relação ao modelo assistencial mesmo enquanto se debatia a questão do déficit e do custeio, uma área específica e problemática da indústria da saúde. A ESF se mostrou a melhor opção para o futuro da Cassi.

De repente, após 2018, mudaram tudo na Cassi. Em tese, o problema mais imediato foi resolvido, o custeio recebeu uma grande injeção de recursos já a partir do final daquele ano e após a reforma estatutária na qual se aprovou tudo o que o patrocinador queria. 

Os associados passaram a pagar bem mais pela assistência à saúde, o banco público diminuiu seus investimentos no sistema (a proporção), novas gestões vieram, tanto as indicadas pelos governos Temer e Bolsonaro, quanto os grupos eleitos após 2018 foram grupos antissindicais, do espectro da direita, distantes do dia a dia da luta da classe trabalhadora e muito mais próximos dos ideais patronais, defensores do mercado e de ideias como a terceirização de tudo. 

E não é que a Cassi está com um déficit enorme de novo! O Visão Cassi do primeiro trimestre nos apresenta um déficit operacional de 98 milhões! Se fizeram tudo o que queriam, por que os resultados não vieram? Vão dizer que a culpa é dos associados de novo?

Enfim, eu tenho visto os novos gestores se esforçando para fazer um bom trabalho na Cassi, tanto os eleitos em 2022 como os indicados pelo novo governo (2023), tenho visto o movimento sindical se reunindo e cobrando os direitos em saúde dos trabalhadores e aposentados, e me parece que não é só o nosso querido Sistema Único de Saúde (SUS) que vive momentos decisivos para o presente e o futuro da saúde humana, nossa autogestão também está num momento decisivo. 

Nossa Cassi vai seguir a tendência adotada nas gestões (e governos) anteriores? Será que algo não está errado nas opções que fizeram nos últimos 6 anos? O recurso novo entrou, os direitos diminuíram ou ficaram mais caros e o déficit está crescendo de novo. Não seria a hora de repensar o rumo adotado nos últimos 6 anos e se debater o sistema e o modelo atual da Cassi?

Eu sigo na torcida pelo acerto da nossa direção da Cassi e pelo acerto do nosso governo Lula.

Contudo, entendo que a Cassi deveria retomar a ampliação do modelo assistencial da Estratégia de Saúde da Família (ESF) como o modelo de APS a ser disponibilizado para o conjunto dos associados e participantes. 

Tenho a impressão de que da forma como está hoje, a chamada Atenção Integral via APS (faz uma telemedicina aí!) passou a ser só mais um ponto de atenção, uma porta de entrada sem o efeito longitudinal esperado de acompanhamento do participante no tempo, que a ESF tinha. 

O resultado da ESF ao longo do tempo nos participantes vinculados e aderentes ao modelo por mais de 3 anos nós demonstramos e não vejo por que não seguir com o que é bom e dá resultado.

É uma opinião, e não é de leigo.

William Mendes


Post Scriptum: o texto sequência deste pode ser lido clicando aqui.

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