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22.7.20

Como anda a saúde da classe trabalhadora?



Reflexão

Falar sobre saúde não é uma coisa simples, principalmente para aqueles que não têm formação ou atuação e experiência na área. A pergunta deste artigo não é uma pergunta neutra. Nem poderia ser, pois quem fala, sempre fala de algum lugar, mesmo aqueles denominados ou autodeclarados "técnicos" e "especialistas". Todos somos humanos e não somos neutros, mesmo quando temos que atuar de forma imparcial por profissão ou representação social como, por exemplo, devem ser os juízes nos órgãos de Justiça.

Como será que anda a saúde da classe trabalhadora? Se especifico "classe trabalhadora" é porque vejo duas condições dadas para as pessoas que vivem em nossa sociedade, dois segmentos em relação ao acesso à saúde: o segmento das pessoas que vendem ou venderam sua força de trabalho para sobreviver e vivem de seu salário ou dos bicos que fazem, do benefício de aposentadoria, ou algum tipo de assistência fornecida pelo Estado ou por alguém (talvez o segmento social que abranja mais de 95% do nosso povo); o outro segmento é o daquelas pessoas que vivem do capital, de renda, de herança, de aluguéis e arrendamentos, da exploração dos outros, da mais-valia retirada daquelas pessoas que vendem sua força de trabalho.

Falar sobre saúde não é uma coisa simples, mas é uma coisa necessária. É possível falar de saúde sendo um técnico ou especialista na área, bem como sendo uma pessoa que acumulou conhecimento e experiência na área. Aliás, a área "saúde" é imensa, e é bem provável que um técnico ou especialista em saúde saiba muito de sua especialidade e não saiba quase nada de outra área da saúde. Exemplo: um médico especialista em coração, em sistema circulatório, pode ainda ser um generalista em saúde integral, por ter tido contato de forma panorâmica com todas as áreas ou feito especialização em Saúde da Família e Comunidade. Mas será que ele, especialista em coração e sistema circulatório, tem conhecimento para falar de gestão de sistemas de saúde? Pode ser que sim e pode ser que não.

Durante nossa vida de representação sindical, aprendemos as noções básicas de diversas áreas de interesse da classe trabalhadora e do mundo do trabalho, até porque negociamos sobre os temas em mesas com patrões e seus especialistas nas áreas negociadas. A categoria bancária se organizou ao longo da história para fazer debates de alto nível com os bancos e governos. Nas negociações temáticas e por banco, se acumula grande experiência e conhecimento. Ser dirigente sindical é uma oportunidade ímpar para se aprender além do que se aprende nas grades curriculares da educação formal. Aprende-se muito como representante de classe.

A jornada de lutas e representação dos bancários me proporcionou um novo saber, após ganhar conhecimento do mundo do trabalho bancário: a oportunidade de ser um gestor de saúde eleito pelos trabalhadores da ativa e aposentados do BB. Foi uma experiência incrível sob diversos pontos de vista. Aprendi bastante sobre sistemas de saúde, sobre direitos em saúde; aprendi sobre a história de lutas por saúde na categoria bancária e na comunidade do Banco do Brasil. E também conhecemos um pouco sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Tive contato direto por quatro anos com os mapas de saúde dos colegas do banco na ativa. Conheci a condição de saúde dos colegas aposentados por gerir o sistema Cassi.

Em linhas gerais, pelo que pude acompanhar durante 4 anos lidando com gestão de saúde, os mapas de saúde do povo brasileiro pedem atenção. Temos um nível alto de doenças crônicas em nossa população. Doenças evitáveis e que mesmo após serem realidade na vida das pessoas, são doenças que poderiam ser tratadas e acompanhadas permitindo boa qualidade de vida aos crônicos. A questão central é que para as pessoas terem melhores condições de saúde é necessário um conjunto de fatores multidimensionais que envolvem, por exemplo, condições de trabalho, de remuneração, de educação e cultura, de moradia, saneamento básico, alimentação, segurança, controle de estresse e pressões no dia a dia etc. As pessoas deveriam ser acompanhadas por sistemas de Atenção Primária e Estratégia de Saúde da Família e Comunidade.

Através de estudos que fizemos no sistema de saúde dos bancários do BB, pudemos comprovar o quanto a condição de saúde é favorecida quando as pessoas têm acompanhamento por um sistema de prevenção e monitoramento como é o caso da APS/ESF e programas de saúde ao longo do tempo. As despesas assistenciais em grupos cuidados são bem menores que as despesas assistenciais em grupos não cuidados de forma permanente. 

Nível de estresse e sofrimento após a pandemia de Covid-19 pode piorar as condições de saúde e as doenças crônicas dos colegas da ativa e aposentados

Por conhecer um pouco da condição de saúde do povo brasileiro e conhecer um pouco mais da condição de saúde das pessoas na comunidade Banco do Brasil, fico me perguntando como deve estar a condição de saúde dos colegas após o advento da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) neste momento de nossas vidas. É provável que todo ser humano esteja passando por algum nível de estresse emocional neste momento, independente de suas visões de mundo. E é provável que os níveis de estresse vão aumentando e se tornando causadores de maiores sofrimentos à medida que o colega esteja na ativa e tenha que se arriscar a estar nos locais de trabalho, e se deslocar para o trabalho, e voltar para casa com risco de contaminação de sua família etc.

O mesmo nível de estresse e sofrimento pode estar ocorrendo com os colegas dos grupos de risco, com mais idade, com comorbidades, que tenham que se manter em isolamento por tantos meses como já vivenciamos neste semestre de pandemia. E as colegas bancárias que criam sozinhas seus filhos? E os colegas bancários que estão sem plano de saúde, então? E os colegas bancários que não estão mais conseguindo pagar a mensalidade do plano de saúde (que ainda pagam coparticipações abusivas) e já excluíram dependentes do plano? E os trabalhadores desempregados? E os milhões de pessoas sem condição alguma de cidadania? Enfim, são tempos de grande estresse emocional e níveis de sofrimento.

Por ter espírito de pertencimento à classe trabalhadora e à categoria bancária, a gente se solidariza com todo esse sofrimento coletivo e com o sofrimento de cada pessoa, porque cada pessoa é única e cada vida importa. É provável que a gente escreva mais sobre esse tema saúde porque tudo pode ser diferente, tudo pode mudar e a vida das pessoas pode ser melhor e mais saudável. Nós já experimentamos tempos melhores e mais felizes para a classe trabalhadora brasileira. As oportunidades traziam realizações pessoais e coletivas. Os tempos estão difíceis, mas com unidade, consciência e mais envolvimento das pessoas, podemos resgatar a felicidade e os direitos da cidadania.

Abraços a todas e todos da classe trabalhadora.

William Mendes


Post Scriptum:

Hoje pela manhã, fiquei muito triste ao saber do falecimento do companheiro Fábio França, companheiro de trabalho e lutas em prol da classe trabalhadora. Pelo que pude apurar através das mensagens, Fábio teve um AVC e não resistiu. Estivemos juntos ano passado, quando gravamos no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região um vídeo falando sobre os 30 anos dos congressos dos funcionários do Banco do Brasil. Fábio era jovem, atuava na área da educação, e deixará saudades a tod@s que conviviam com ele. Meus sinceros sentimentos à família e amig@s. Fábio, presente!

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