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8.3.16

O Dia da Mulher e o trabalho bancário que adoece


Comentário do Blog

Neste Dia Internacional da Mulher, deixo o meu mais profundo respeito à luta secular que as mulheres empreendem em todas as partes deste nosso mundo, mundo, vasto mundo. Estamos muito longe de conquistar a igualdade de direitos, mas ao menos sabemos que a luta das mulheres tem avançado, ainda que lentamente.

Apresento o artigo abaixo de uma grande companheira de lutas, Deise Recoaro, com a qual convivi por longos anos no movimento sindical e com quem aprendi tantos conceitos que me mudaram como pessoa. A melhor forma de agradecer pelo conhecimento aprendido é aplicando ele em meu comportamento diário como cidadão, pai, filho, marido, e como representante da classe trabalhadora, atualmente na entidade de saúde que administro em nome dos funcionários do Banco do Brasil.

O artigo é provocativo porque o tema é duro. Deise aborda o cotidiano das bancárias que fazem parte de uma categoria que a cada dia sofre mais com as condições de trabalho e com a natureza do trabalho bancário, que se transformou numa eterna oferta de produtos financeiros com metas impossíveis de serem alcançadas, muitas vezes sob forte pressão e assédio. 

Ao final desse processo de trabalho, temos as bancárias adoecidas e na base de remédios para cumprirem suas jornadas de trabalho.

Temos que lutar para mudar essa realidade. Temos que cuidar da saúde de nossos bancários e bancárias e trabalhar para que o trabalho tenha a importância necessária na dimensão humana, mas sem destruir os humanos.

Leiam o artigo e bom dia de luta a todas as mulheres!

William Mendes
Diretor de Saúde e Rede de Atendimento da Cassi





Artigo de Deise Recoaro
Dirigente da Contraf-CUT e
Militante da AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras

(publicado em 26/2/16 no BRASIL247)

Qual o problema, eu tomo três tarjas pretas...


Estamos nos aproximando do 8 de março, Dia Internacional da Mulher, e quando olho para a categoria que represento, no caso as bancárias, tem uma expressão que não me sai da mente. Ao levantar a preocupação sobre o aumento do uso de antidepressivos entre os bancários, tipo “tarja preta”, com a gerente geral de uma agência, ela me responde: “Qual o problema? Eu tomo três”...

Não sei o que mais me deixa indignada, se é a quantidade de drogas usadas para suportar o ritmo e as cobranças de metas no processo de trabalho ou se é a indiferença ou a naturalização de um problema que tem levado muitas e muitos trabalhadores à loucura, quando não à morte.

Não é exagero da minha parte. Diversos estudos acadêmicos e as estatísticas oficiais confirmam as denúncias que o movimento sindical vem fazendo em todo país. Em 2013, do total de afastamento por auxílio-doença, 52% correspondem a doenças causadas por transtornos mentais e sistema nervoso.

Voltando à figura emblemática desta trabalhadora, me vêm à mente outras questões ainda: a da tão exaltada “competitividade” e do tal do “poder de resiliência” propagados pelos bancos e especialistas do mundo dos negócios como qualidades para o sucesso profissional.

O investimento na formação e qualificação profissional, em tese, funciona como diferencial numa promoção ou vaga de emprego. Não é à toa que as mulheres em diversas categorias são as mais escolarizadas para poder competir. Porém, pasmem! Na categoria bancária, uma mulher com doutorado recebe em média 56% menos que um homem com o mesmo título nos bancos (segundo pesquisa de Emprego – Desemprego no setor bancário do DIEESE). E eu mais uma vez me pergunto: até quando vamos repetir esse triste dado? Até quando vamos ficar nos perguntando: qual o problema?

Tem problema, sim! A origem está na “construção social de gênero”, que ao longo da história vem estabelecendo papéis e hierarquizando funções – isso é de menino... aquilo é de menina... esse trabalho é de homem... aquele é de mulher... esse vale mais... aquele vale menos... Que beneficia os interesses muito restrito de uma elite, pois essas diferenças só servem para engordar ainda mais o capital de quem detém o poder econômico, poder este que tem cor e sexo. Ou seja, é homem e branco. Então qualquer coisa diferente disso cai na vala comum da discriminação: mulheres, população negra, gays e lésbicas, transexuais...

Agora me vem o conservadorismo religioso querendo fazer caça às bruxas com a nossa emancipação dos “quadradinhos” e “rótulos” que sempre nos limitaram e oprimiram, chamando de “ideologia de gênero” um conceito científico (o conceito de gênero) que desnaturaliza a opressão. Mas essa é uma outra faceta da dominação que não será possível tratar aqui.

Ainda por trás daquela bancária tem outros dramas e dilemas de sobrevivência no mercado competitivo e totalmente desigual: ser ou não ser mãe, abortar ou não, ficar em casa ou não para cuidar dos filhos... Isso sem falar da violência moral e sexual sofrida quase que diariamente pelas bancárias como, insinuações de uso de roupas provocativas para venda de produtos e abordagens sexuais indesejadas em troca de uma promoção ou manutenção do emprego.

Quanto ao tal do “poder de resiliência”, que segundo o Wikipédia quer dizer “capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas - choque, estresse etc. - sem entrar em surto psicológico”. Os bancos se apropriaram desse termo na maior cara de pau do mundo, para “convencer” seus profissionais que por mais hostil, rude, desumano, violento que seja seu ambiente de trabalho, só os “bons” conseguem sobreviver e renascer das cinzas para continuar produzindo e gerando riqueza.

Gente, isso não é natural! Não é assim porque Deus quis! É preciso desconstruir essas relações sociais de gênero marcadas pela desigualdade, pela submissão e exploração, para reconstruir novas relações, pautadas na igualdade, no compartilhamento, na distribuição de renda e por ambiente saudável de trabalho.

Reforma da Previdência

Como se não bastassem os obstáculos específicos das bancárias, estão querendo empurrar para nós mulheres trabalhadoras os custos de uma crise que não nos pertence, prevalecendo a lógica de retirada de direitos ao invés de redistribuir a riqueza altamente concentrada. Estamos muito longe de resolver a divisão do trabalho doméstico e de cuidados de filhos e idosos.

Ainda recai sobre a mulher a dupla ou tripla jornada de trabalho, ocupamos os piores postos e recebemos os piores salários e ainda querem igualar a idade mínima para aposentadoria. Isso é inadmissível! Vamos resolver essas pendências históricas para então falarmos em equiparação.

Para finalizar, eu não poderia deixar de parafrasear aqui o velho e bom Marx: “A emancipação da mulher trabalhadora será obra da própria mulher trabalhadora”. Com certeza não será com essa esquizofrenia chamada de Partido da Mulher Brasileira, composto por 21 deputados federais, 19 deles homens, e um senador acusado de pedofilia em 2010. Os movimentos de mulheres e feministas deram uma brilhante lição de mobilização e luta contra o conservadorismo. Não podemos permitir nenhum retrocesso e penalização para que sejamos todas livres... inclusive das tarjas pretas.

Deise Recoaro

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