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26.5.11

Opinião Jurídica: O BC e os correspondentes bancários

Segue abaixo excelente artigo de nosso companheiro Miguel Pereira sobre o absurdo e a ilegalidade do correspondente bancário e o papel ilegal de precarizador do trabalho bancário feito pelo BC, que mostra cada dia mais que está se danando para o País, contanto que os banqueiros se deem bem.



O BC e os correspondentes bancários

*Miguel Pereira

26/05/2011

Pode o BC legislar sobre os correspondentes bancários? Seguramente não. No Brasil não existe legislação específica sobre terceirização de serviços ou de mão de obra, à exceção dos serviços de limpeza e de segurança bancária. Por outro lado, existe toda uma legislação trabalhista consagrada na CLT que define os conceitos de categoria profissional, relação de emprego, natureza da atividade profissional, dentre tantos outros.


A maior referência legal nesse tema é a orientação jurisprudencial do TST (Enunciado 331), que proíbe a terceirização nas atividades-fim das empresas, admitindo-a apenas nas atividades-meio, desde que sejam de natureza especializada. E definitivamente proíbe a contratação de pessoal por meio de empresa interposta, classificando tal prática como ilegal.


Atos relativos à concessão de empréstimos e financiamentos bancários, abertura de contas, venda de cartões de crédito, análise cadastral, processamento de dados, dentre tantas outras operações tipicamente bancárias, acabam por autorizar a terceirização ilegal de mão de obra.


Outro princípio orientador da Justiça Trabalhista é o da Primazia da Realidade, ou seja, valem as condições objetivas a que o trabalhador efetivamente está submetido no seu dia a dia.


Ao editar as resoluções estabelecendo a figura dos correspondentes bancários, o Banco Central colide frontalmente com os artigos 2º e 3º da CLT e com todos esses princípios fundadores do direito do trabalho, o que obviamente vai provocar uma corrida de ações trabalhistas.


Tais resoluções acabam por criar normas de direito material do trabalho


Tais resoluções, que aparentemente dizem respeito ao funcionamento do mercado financeiro, acabam por criar normas de direito material do trabalho ao autorizar a terceirização dos serviços bancários. E é evidente que o BC extrapola sua competência legal ao fazê-lo, uma vez que é atribuição exclusiva do Congresso Nacional legislar sobre direito do trabalho (Art.22,I C.F./88).


Outra questão importante é saber por que a rede convencional dos bancos não está prestando esses serviços elementares aos clientes e usuários, uma vez que atuam na forma de concessões públicas?


Dos 5.587 municípios brasileiros, 1.973 (35,3%) não possuem sequer uma agência ou posto de atendimento bancário, segundo dados do BC de 31 de março deste ano. Pior: o Brasil tem menos agências bancárias hoje (19.908) atendendo a população do que tinha em 1990 (19.996).


A figura dos correspondentes bancários, que foram idealizados em 1973 (Circular nº 220 do BC), tinha a característica de um banco ser correspondente de outro para a execução de ordens de pagamento e a cobrança/recebimento de títulos. Só que naquela época os bancos brasileiros não tinham a configuração de presença e concentração que existe hoje. Em 1999 foi editada a Resolução nº 2.640/BC, que apesar de ampliar o rol dos serviços prestados, determinava que esse funcionamento somente era autorizado para as praças onde não houvesse a presença de bancos.


Gradativamente esse papel veio sendo desvirtuado pelos bancos, que se apropriaram desse mecanismo para segmentar sua clientela e utilizá-los com o propósito tão somente de redução de seus custos, promovendo uma verdadeira segregação no tratamento dado a clientes de maior e menor renda.


Os números que o BC apresenta para comemorar o êxito do programa, de que há cerca de 160 mil correspondentes bancários (2009), também podem ser tomados como a medida exata do fracasso do sistema bancário brasileiro no que diz respeito ao cumprimento de uma política pública de crédito e relação de consumo decente entre bancos e sociedade.


Mas que dados estatísticos qualitativos pode o BC apresentar para defender socialmente a atuação dos correspondentes bancários? Cerca de sete milhões de novas contas simplificadas? Mas quase todas são da Caixa Econômica Federal, a maioria das quais para o pagamento de benefícios sociais. Pelos milhões de pagamentos dos benefícios sociais da previdência social? Ora, outros meios poderiam ser adotados, como por exemplo a obrigatoriedade de instalação de agências pioneiras ou postos de atendimento bancários.


O BC está legislando a precarização do trabalho, não apenas o bancário, também o dos comerciários. E mais que isso, estabelecendo um padrão de exploração e consequentemente aumentando ainda mais a concentração da renda nacional.


À medida que as últimas Resoluções 3.954 de 24/02/11 e a 3.959 de 31/03/11 autorizam os bancos a terem seus próprios correspondentes, ampliando ainda mais a gama de serviços ofertados, está em curso uma gradativa substituição do atendimento convencional nas agências por essa nova figura, chamada correspondentes, agora autorizados a integrar a estrutura societária dos bancos.


Com essas resoluções, o BC autorizaria até mesmo a terceirização de responsabilidades como o sigilo bancário, uma vez que o correspondente poderá coletar informações cadastrais e de documentação, bem como o controle e processamento de dados.


E ignora solenemente a Lei nº 7.102, que trata da exigência do mapa de segurança das agências bancárias, condição sine quo non para o funcionamento bancário.


Condições básicas do Direito do Consumidor, que atualmente já são alvo de registros de denúncias nos Procons e no próprio BC são autorizados a serem repassados para terceiros.


O mais interessante nesse debate é que a Constituição Federal assegura o valor social do trabalho e o trata como um dos valores estruturantes da sociedade brasileira. Infelizmente, essas normas só beneficiam os bancos, em detrimento dos interesses da sociedade.


*Miguel Pereira é secretário de Organização da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT)


Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


Fonte: Valor Econômico

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